Mateus
(Mt)
O EVANGELHO DE MATEUS
AUTORIA – Mateus. Seu nome significa "dom de Deus". (Mat.9.9-13; 10.3
Mc.2.13-17 - Lc.5.27-32). Era também conhecido pelo nome de Levi
(Associado). Era um judeu cristão, discípulo e apóstolo de Jesus Cristo.
Antes de ser chamado pelo Mestre, exercia a função de publicano, isto é,
coletor de impostos para o Império Romano. Os publicanos eram tão
desprezados pelos judeus que não podiam falar nos tribunais, nem se
aceitava seu dízimo no templo. Sobre sua autoria em relação ao primeiro
livro do Novo Testamento, tem-se o testemunho de Papias, bispo de
Hierápolis (Frígia), do 2º século d.C..
DATA - 60 d.C.? (existem muitas opiniões datando entre 45 a 85
d.C.)
LOCAL - Antioquia da Síria.
DESTINATÁRIOS - Judeus
VERSÍCULO
CHAVE - 27.37
PALAVRA CHAVE - cumprir (Mt.5.17). O Novo Testamento não deve ser visto
como oposição ao Velho Testamento mas como seu cumprimento. O verbo
"cumprir" e algumas de suas variações são encontrados em muitas
passagens de Mateus. Ele pretendia mostrar na vida de Cristo o
cumprimento das profecias do Velho Testamento. Sobre a lei, Jesus disse
que veio para cumprir e não para revogar. Isso significa não apenas a
obediência de Jesus à lei, mas também indica que, em alguns aspectos
especiais, a obra de Cristo representou o cumprimento último e
definitivo da lei, a consumação. Podemos afirmar isto, principalmente em
relação aos sacrifícios de animais, cuja determinação teve no calvário
seu cumprimento suficiente e eterno.
Em Mateus 3, no episódio do batismo, temos o questionamento de João
Batista quanto ao ato de batizar Jesus. Este respondeu que era
necessário cumprir toda a justiça. Era, de fato, estranho que Jesus
viesse se submeter a um ato representativo de arrependimento sendo que
ele nunca havia cometido nenhum pecado. O batismo é um símbolo da morte
e da ressurreição de Cristo. Da mesma forma como era estranho o fato de
Cristo ser batizado, seria também estranha sua morte numa cruz,
considerando-se que a crucificação era destinada a pecadores. Podemos
até mesmo imaginar que Deus, sendo o todo poderoso, poderia salvar toda
a humanidade sem que Cristo morresse. Contudo, a resposta que lemos em
Mateus 3 é suficiente para explicar tudo isso: "É necessário para que se
cumpra toda a justiça". A justiça exige que para todo pecado seja
imposta a punição correspondente. Impunidade seria injustiça. Assim, se
fôssemos salvos sem que ninguém morresse em nosso lugar, a justiça não
seria cumprida.
OBJETIVO PARTICULAR
- Mateus procurou apresentar os vínculos de
Jesus com a nação judaica e com o Velho Testamento, demonstrando que ele
era o Rei Messias esperado por Israel. Por isso, o livro começa com a
genealogia de Cristo, ligando-o a Abraão e a Davi. Como foi dito no
tópico da palavra chave, o autor apresenta a ligação da vida de Cristo
com o Velho Testamento através da freqüente expressão: "Para que se
cumprisse o que foi dito pelo profeta..." Nota-se nessa expressão a
soberania divina em ação. Os fatos da vida de Jesus não foram obra do
acaso, mas o cumprimento do propósito predito na escrituras. Compare os
textos a seguir: Mt.1.23 (Is.7.14) Mt.2.6. (Mq.5.2) Mt.2.18 (Jr.31.15)
Mt.21.4 (Zc.9.9). Mateus apresenta mais de 60 citações do VT em seu
evangelho.
CARACTERÍSTICAS E CONTEÚDO
Apologético - apresenta defesa do evangelho diantee do judaísmo.
Doutrinal - com destaque para os ensinamentos de Cristo.
Narrações breves – Os fatos narrados são poucos e sucintos, já que a
doutrina tem prioridade.
Sem ordem cronológica – O livro não apresenta fatos e ensinos na ordem
em que ocorreram ou foram ditos. A ordem só é seguida em parte: no
início do livro (nascimento, batismo, tentação) e no final (última
semana, morte, ressurreição e ascensão). No meio, as parábolas, milagres
e ensinamentos não se encontram ordenados cronologicamente.
Organização temática – Mateus apresenta um arranjo temático em seu
conteúdo. Os ensinamentos são reunidos em cinco grandes blocos. As
parábolas e os milagres também são organizados convenientemente.
Escrito para um público religioso: os judeus.
Escrito em hebraico – já que se dirigia aos judeus. Apesar desse
direcionamento aos judeus, Mateus não se apresenta como um bajulador de
seus compatriotas. Ele demonstra claramente que os judeus tinham
prioridade no ministério de Cristo (Mt.15.24;10.6), mas mostra também a
perda do espaço para os gentios, que vão dominando a cena. Mateus começa
mencionando os magos no capítulo 2. Eles eram gentios e foram presentear
o menino Jesus, enquanto que os judeus que serviam a Herodes não se
dirigiram a Belém, embora estivessem bem informados sobre o local onde o
Messias haveria de nascer. Finalmente, Mateus cita a ordem de Cristo de
se pregar o evangelho e se fazer discípulos em todas as nações. (Mt.4.15;
8.10-12; 12.18-21; 21.42-34; 28.18-20.)
Mateus é o único evangelho a apresentar a palavra igreja (3x) (16.18 e
18.17).
O evangelho de Mateus contém 6 discursos de Cristo: Mt.5-7; 10; 13; 18;
23; 24-25.
Contém 15 parábolas (10 exclusivas). Um dos efeitos das parábolas é a
fixação do ensinamento. Isto quando o mesmo é compreendido. Trata-se
então de um recurso didático. Aliás, tal propósito encontra-se
subjacente a muitos elementos e práticas do judaísmo e do cristianismo.
As festas judaicas continham propósito didático. O mesmo acontece com a
ceia e o batismo, embora seu sentido e objetivo não esteja restrito a
esse propósito.
Mateus narra 20 milagres (3 exclusivos). Embora o número seja grande, as
narrativas são resumidas.
Mateus apresenta Jesus como Rei. Tal propósito já se nota na
apresentação da genealogia. A expressão "Filho de Davi" ocorre 9 vezes
no livro. A palavra reino aparece 55 vezes.
MACRO DIVISÃO DO LIVRO
I - Genealogia, nascimento e infância - 1 - 2
II - Ministério na Galiléia - 3 - 18
III - Ministério na Judéia - 19-28
ESBOÇO DO LIVRO (adaptado do esboço de Scroggie)
I - A preparação do rei 1.1 a 4.11
1 - a descendência do Rei 1.1-17
2 - O advento do Rei - 1.18 a 2.13
3 - O embaixador do Rei - 3.1-17
4 – A prova do Rei – 4.1-11
II - O programa do rei - 4.12 a 16.12
1 - O começo do reino 4.12-25
2 - O manifesto do reino - 5-7
3 - Os sinais do Reino 8-9
4 - Os mensageiros do Reino - 10-11
5 - Os princípios do reino - 12
6 - Os mistérios do reino 13.1-52
7 - A ofensa do reino 13.53 a 16.12
III - A paixão do Rei - 16.13 a 28.20
1 - A revelação do rei 16.21 - 17.27
2 - A doutrina do rei 18-20
3 - A rejeição do rei 21-22
4 - As censuras do rei 23
5 - As predições do rei 24-25
6 - Os sofrimentos do rei - 26-27
7 - O triunfo do rei 28
ESBOÇO COMENTADO
Todo os esboços de livros bíblicos dependem muito de quem os elabora.
Podem ser encontrados diversos esboços de Mateus diferentes entre si.
Isto se deve ao fato de que o texto original não continha divisões em
capítulos, versículos e
blocos como temos hoje. Assim, o presente esboço é uma entre tantas
maneiras de se apresentar o evangelho de Mateus. Scroggie trabalhou
sobre o tema do reino. O esboço mostra o conteúdo de Mateus como a
apresentação do reino de Deus na pessoa do Rei Jesus.
I - A preparação do rei 1.1 a 4.11
1 - A descendência do Rei 1.1-17 – a genealogia.
2 - O advento do Rei - 1.18 a 2.13 – advento = vinda.
3 - O embaixador do Rei - 3.1-17 – Era comum entre os reis o envio de
mensageiros diante de si para anunciar a aproximação da comitiva real.
Iam estes anunciando em alta voz a chegada do rei. Os súditos deviam
então se colocar em atitude e posição de reverência. Muitas vezes era
comum que todos se prostrassem diante do rei. Da mesma forma, João
Batista foi enviado na frente de Jesus para anunciar a sua chegada,
cumprindo-se assim a profecia de Isaías (40).
4 – A prova do Rei – 4.1-11 – A tentação no deserto.
Dr. G. Campbell Morgan apresenta as passagens acima como a relação de
Cristo com a terra (genealogia), o céu (a pomba e a voz no batismo), e o
inferno (tentação).
II - O programa do rei - 4.12 a 16.12
1 - O começo do reino 4.12-25 – Jesus começou a pregar dizendo:
arrependei-vos. O arrependimento é o começo do reino de Deus na vida do
homem. A seguir Jesus escolhe seus discípulos. Depois do arrependimento
deve vir o compromisso de seguir o Mestre. No capítulo 4 aparecem os
discípulos (4.22) e as multidões (4.25). A grande diferença entre os
discípulos e as multidões é o compromisso com Jesus. No fim do dia as
multidões vão para suas casas, mas os discípulos continuam com Jesus. As
multidões só querem receber as bênçãos. Os discípulos deixam tudo para
seguir o Mestre (4.22).
2 - O manifesto do reino (as leis) - 5-7 – Manifesto = declaração
pública. Jesus vem a público apresentar as propostas do seu reino. Assim
como Moisés recebeu no monte Sinai as leis da antiga aliança, Jesus
também sobe ao monte e promulga a lei do reino. Pode parecer estranho se
falar em lei no Novo Testamento. Contudo, Paulo chega a usar a expressão
"lei de Cristo" (Gálatas 6.2). Seus mandamentos atingem o interior do
homem, enquanto que a lei mosaica se aplicava principalmente ao
exterior. A lei de Moisés proibia o homicídio. Jesus foi além quando
falou do ódio contra o próximo. Ele foi mais fundo. Como disse João
Batista: "O machado está posto à raiz das árvores." (Mt.3). No Novo
Testamento, Deus atinge a raiz do pecado no coração humano. Encontramos
em Mateus o constante confronto entre questões exteriores e interiores.
A religiosidade judaica, constituída de rituais exteriores, é
permanentemente confrontada pelos ensinamentos de Cristo, não exatamente
para condenar os aspectos exteriores mas para mostrar o vazio interior
daqueles religiosos. Jesus veio levar o povo de Deus de um estágio
superficial para um relacionamento de intimidade com o Senhor. Ao invés
da idéia de um Deus distante, Jesus nos ensinou a chamar o Senhor de
"Pai nosso". Vejamos uma relação dos elementos apresentados no texto e
que mostram esse confronto:
Folhas e frutos são igualmente produções da árvore. Contudo, o fruto só é
produzido no tempo oportuno. Nos momentos em que podemos agir com
espontaneidade é que o fruto aparece. Nos nossos momentos de maior
liberdade de expressão é que os nossos frutos se manifestam. Em outras
circunstâncias podemos estar agindo apenas em cumprimento às exigências
e expectativas sociais, atendendo a ordens ou pressões diversas. São
folhas que se multiplicam, mas não são suficientes para a identificação
da árvore. "Pelos seus frutos os conhecereis." Estas palavras de Jesus
nos levam a concluir que podemos identificar o joio no nosso meio.
Contudo, não vamos condená-lo. "Não julgueis para que não sejais
julgados." (Mt.7.1).
Ainda no capítulo 5, Jesus fala sobre o caráter do cidadão do reino de
Deus. Logo se observa que tudo o que ali se encontra é contrário aos
ditames mundanos. É por essa diferença que os discípulos podem ser sal e
luz (Mt.5.14). Sendo positivamente diferentes, poderão ser força de
influência. O sal dá sabor e evita a putrefação. Porém, se o sal vier a
cair por terra, será pisado pelos homens. Este é o caso daqueles servos
de Deus que se tornam motivo de escândalo e vergonha para o evangelho.
3 - Os sinais do Reino 8-9– Nessa parte Mateus apresenta alguns milagres
de Jesus. Seu reino não é composto apenas de palavras, ensinamentos, mas
demonstração de poder. Vemos então nesses capítulos a autoridade do Rei
Messias sobre: homens, toda sorte de enfermidades (Mt. 9.35),
deficiências físicas, morte, pecado, natureza, demônios. Fica em
evidência o absoluto alcance do Reino de Deus. Ele abrange todas as
áreas. Temos referência ao natural, ao humano e ao espiritual.
Poderíamos considerar o humano como parte do natural, mas dividimos
assim para visualizarmos o homem em relação ao que é natural e ao que é
espiritual. É importante separarmos bem essas coisas. Nem toda doença é
provocada por demônios, mas algumas são. Nem toda ventania é provocada
por demônios, mas algumas podem ser, conforme se vê no livro de Jó. O
que não se deve fazer é generalizar. Em muitos casos será necessário o
discernimento dado por Deus. Seja de que tipo e origem for o fato, nada
se encontra fora do alcance do poder de Deus.
4 - Os mensageiros do Reino - 10-11 – Os mensageiros aqui citados são:
João Batista, seus discípulos, e os discípulos de Jesus. João estava
passando por uma crise de dúvidas. O rei Jesus, que ele mesmo anunciara
não havia tomado nenhuma providência para libertá-lo do cárcere. Surgiu
então o questionamento: "Será este mesmo o Cristo?" Muitas vezes o
evangelho pode não atender às nossas expectativas particulares. Alguns
problemas podem persistir e isso pode trazer a frustração. Contudo, os
propósitos divinos são superiores aos nossos. "E Jesus, respondendo,
disse-lhes: Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: Os cegos
vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os
mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho." O plano
de Deus está se cumprindo e se alguma tribulação é permitida em nossas
vidas, ela também faz parte desse plano.
Quanto aos discípulos, Jesus os envia para uma espécie de treinamento.
São enviados a pregar o evangelho do reino e operar milagres. Sua missão
estava restrita ao ambiente judaico. Estavam proibidos de se dirigirem
aos gentios e aos samaritanos. Tais pessoas não estavam eliminadas do
plano de Deus. Entretanto, para tudo há um tempo apropriado. Os judeus
tinham primazia no objetivo de Cristo. Por outro lado, os próprios
discípulos ainda não estavam preparados para fazer a obra entre os
gentios e samaritanos. Em Mateus 28, Jesus lhes dá a ordem de pregarem a
todas as nações, mas não sem o revestimento do Espírito Santo que lhes
seria dado (Lc.24.49At.1.8).
5 - Os princípios do reino – 12 – Jesus dá destaque para a misericórdia
e o amor em detrimento de uma observação apenas literal da lei.
Apresenta-se nesse trecho a superioridade de Cristo sobre o templo, o
sábado, o profeta Jonas e o rei Salomão. (Mt.12.6,8,41,42.). O rei Jesus
é superior a todos os valores e figuras importantes do judaísmo. Isso
foi um choque para os religiosos tradicionais. Em seguida, observa-se o
reconhecimento de Cristo por parte da multidão como sendo "Filho de
Davi" (12.23). Diante de tudo isso, manifesta-se o ciúme dos líderes
religiosos contra Cristo, os quais se dedicam a persegui-lo e tomam a
decisão de matá-lo (Mt.12.14,15,24). Observam-se então diferentes
reações diante de Cristo, e assim ocorre até hoje.
Os fariseus, saduceus, escribas e sacerdotes são mencionados nas
seguintes passagens do evangelho de Mateus: 3.7; 5.20; 7.29; 8.19;
9.11,14; 12.14; 13.52; 15.12; 16.1,21; 21.23; 22.23; 23.2,13,14,15;
23.23,25,27; 27.1,41. Ao observarmos a grande quantidade de referências,
notamos que esses religiosos eram assíduos seguidores de Cristo
(perseguidores). Eles compareceram a todos os eventos mais importantes
da vida de Cristo, desde o batismo até a cruz. O que poderia ter sido
uma experiência transformadora em suas vidas foi perdido por um erro de
propósito. Estavam seguindo a Cristo para matá-lo. Que tipo de
seguidores somos nós? Judas também era um seguidor. Seu propósito em
seguir o Mestre era a obtenção de vantagem pessoal, financeira. Tal
ganância era tão grande que, não satisfeito com as ofertas que furtava,
vendeu o próprio Senhor para obter mais 30 moedas.
6 - Os mistérios do reino 13.1-52 – Jesus apresenta, por meio de
parábolas, diversas características do reino, as quais se encontram ao
mesmo tempo ocultas e reveladas. Ocultas para a multidão e reveladas
para os discípulos. O início é uma semente: a palavra de Deus. A obra
criadora começa com a palavra dita pelo Senhor: "Haja luz." (Gn.1). Este
é o padrão divino para as suas obras. Por isso ele nos envia sua palavra
para que se produza em nós a sua vontade. Voltando a Gênesis,
encontramos, no capítulo 3, a palavra do Diabo, a semente do maligno.
Esta se encontra sempre agindo paralelamente à palavra de Deus. O Senhor
nos fala algo e logo vem o inimigo com sua versão. "É assim que Deus
disse?..." Esta mensagem pode vir de várias formas. Uma delas é o
conselho dos ímpios (Salmo 1) ou o conselho de um cristão vacilante (Mt.16.22).
Como se vê na parábola do trigo e do joio, cada tipo de semente gera um
tipo de caráter. Em Gênesis 3.15 temos a palavra semente como sinônimo
de descendência. Aparecem ali duas descendências: a semente da mulher e
a semente da serpente. Seriam então os filhos de Deus e os filhos do
Diabo que se encontrariam misturados durante a história e inclusive no
reino apresentado por Cristo (trigo e joio). Essas duas linhagens se
encontram representadas em indivíduos como Abel e Caim, Isaque e Ismael,
Jacó e Esaú, Davi e Saul, etc. Em todos os casos, o joio está
perseguindo o trigo e tentando destruí-lo. No Novo Testamento, vemos os
fariseus perseguindo Cristo e tentando destruí-lo. João os chamou de
"raça de víboras". Jesus também usou a mesma expressão (Mt.23.31-35) e
acrescentou que eles seriam réus do sangue dos justos, desde Abel até
Zacarias. Observe o vínculo que Cristo fez entre os justos. Não seria um
vínculo genealógico natural, pois tudo indica que Abel tenha morrido sem
deixar descendência. Outro detalhe importante é que Jesus estabeleceu
uma ligação entre Caim e os fariseus ao cobrar destes o sangue de Abel,
morto por Caim. Sendo raça uma descendência e víbora uma serpente, temos
então uma ligação com Gênesis 3.15 e a semente da serpente. Além disso,
Cristo chamou os fariseus de "filhos do Diabo" (João 8.44).
As parábolas nos mostram essa mistura até mesmo no reino. Trigo e joio
crescem juntos. O reino é também comparado à rede que apanha toda
espécie de peixe. Contudo, Cristo avisa sobre o juízo final, quando
haverá a separação. Isso se mostra também na parte profética do livro
(cap.24/25), quando se fala das virgens prudentes e das néscias, do
servo fiel e do infiel, dos bodes e das ovelhas. Nesse ponto, Cristo é
apresentado como juiz, pois a ele cabe a decisão que separa os bons dos
maus.
Apesar de mostrar essa diferença entre as pessoas, Jesus não apresenta
tudo isso como um quadro imutável. Há esperança para o ímpio, o joio, o
injusto. A palavra de Deus, a santa semente divina, nos é enviada com o
propósito de nos transportar do império das trevas para o reino da luz
(Colos.1.13). Todos nós éramos, por natureza, filhos da ira (Ef.2.3),
filhos da desobediência (Ef.5.6;Colos.3.6), mas fomos regenerados pela
palavra de Deus (I Pd.1.23). Foi enxertada em nós a semente bendita do
Senhor, por meio da qual somos feitos filhos de Deus (João 1.12).
Outro aspecto abordado por Jesus é o crescimento do reino. Ele começa do
interior do homem para o seu exterior. O reino de Cristo começa nos
corações, mas no futuro atingirá todo o mundo (Apc.11.15). Outra figura
para o crescimento do reino é o fermento, o qual não se vê, mas apenas
seu efeito é notado. Nota-se novamente o aspecto do reino com algo
interior, oculto, guardado no íntimo. O mesmo se observa em sua
comparação com a pérola e o tesouro escondido. Nessas parábolas,
acrescenta-se ao reino a característica de grande valor, ao ponto de ser
sensata toda a renúncia que se fizer para alcançá-lo. Tal renúncia não é
compreendida pelas pessoas, pois não estão vendo a pérola nem o tesouro
(II Cor.4,2,3,4,7).
7 - A ofensa do reino 13.53 a 16.12 – Após encerrar suas parábolas,
Cristo se dirigiu à sua Nazaré, onde foi rejeitado por seus
compatriotas. Em seguida temos o relato da morte de João Batista. As
reações negativas contra o reino tornam-se mais intensas. Os fariseus
entram em cena novamente em perseguição ao Mestre (15.2;16.1). Surge
então o fermento maligno contra o fermento do reino (16.6). As obras
malignas também crescem. A perseguição contra Cristo estava crescendo.
As falsas doutrinas, as palavras do inimigo, podem produzir algum tipo
de crescimento. A serpente disse que Adão e Eva iriam adquirir
conhecimento. Isso poderia ser visto como um tipo de desenvolvimento
para eles. Contudo, tal crescimento não estava no plano ou na hora de
Deus para o homem. Da mesma forma, existem muitas maneiras de se crescer
na vida. Algumas delas incluem a exploração ao próximo e a transgressão
de normas. Não deixa de ser um crescimento, porém cresce também o ônus
para quem assim age. É o fermento maligno, acerca do qual o apóstolo
Paulo adverte os coríntios (5.7). Dentro desse raciocínio alegórico se
encaixam as determinações de abstinência de tudo o que fosse fermentado
ao se realizar a páscoa. A fermentação, vista sob o seu aspecto
negativo, está relacionada à putrefação.
III - A paixão do Rei - 16.13 a
28.20
1 - A revelação do rei 16.13 - 17.27 – Embora Jesus já fosse
publicamente conhecido há um bom tempo, as pessoas não sabiam muito bem
quem ele era. Sabiam apenas que Jesus curava os enfermos e multiplicava
os alimentos. Nem os discípulos possuíam uma visão definida sobre ele.
Ocorre então a revelação. Primeiro Jesus pergunta: "Quem dizem os homens
ser o Filho do Homem?" E eles disseram: Uns, João Batista; outros,
Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas." (Mt.16.13-14). Notamos a
confusão de opiniões sobre Jesus. Eram muitas e todas equivocadas. A
mais absurda era de quem pensava se tratar de João Batista ressuscitado,
uma vez que João e Jesus foram contemporâneos. A confusão de opiniões
persiste ainda hoje. Muitos dirão que Cristo foi um grande mestre, um
profeta, um filósofo, um revolucionário, um fundador de religião, um
espírito de luz, etc. Mesmo sendo verdade sua qualidade de Mestre e
profeta, essas palavras são totalmente inadequadas para defini-lo. Jesus
continua interrogando os seus discípulos: "Disse-lhes ele: E vós, quem
dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo." (Mt.16.15-16). Pedro recebeu uma revelação divina,
como se faz necessário até hoje. Jesus é o Filho de Deus e isso supera
todas as definições anteriores. Desse modo, fica evidente a
superioridade de Cristo sobre João Batista, Elias, Jeremias e todos os
outros profetas (Hb.1.1-3). No capítulo 17, aparecem no monte Elias e
Moisés. Ouve-se então uma voz do céu que diz a respeito de Cristo: "Este
é o meu Filho amado. A ele ouvi." Nesse momento, Moisés entra para a
lista. Fica demonstrado que Cristo é superior à lei e aos profetas. Até
esse ponto do livro, já foi apresentada a supremacia de Jesus em relação
a todos os valores e figuras importantes do judaísmo.
A revelação do rei estava se desenvolvendo de forma muito agradável para
os discípulos até que Cristo passa a dizer-lhes que era necessário sua
ida a Jerusalém para morrer e ressuscitar (Mt.16.21; 17.22-23). A
revelação da morte do Rei foi assustadora para os discípulos. Isso era
totalmente contrário à expectativa que eles haviam alimentado em relação
ao reino de Deus. Pedro chegou a dizer que de maneira nenhuma aquilo
aconteceria. Jesus lhe repreendeu dizendo: "Para trás de mim, Satanás,
que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de
Deus, mas só as que são dos homens." (Mt.16.21-23). Tal decepção pode
acontecer com muitos cristãos que possuem apenas uma expectativa humana
em relação ao evangelho. Muitos pensam que o cristianismo deverá nos
proporcionar apenas alegrias, felicidade, bem estar, prosperidade e
satisfação. Contudo, Jesus nos advertiu: "No mundo tereis aflições."
(João 16.33). Na seqüência de Mateus 16, Jesus diz aos seus discípulos:
"Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a
sua cruz, e siga-me" (Mt.16.24). A cruz faz parte deste caminho. As
provas, as tribulações, as tentações, fazem parte do plano de Deus.
Paulo escreveu aos romanos: "...também nos gloriamos nas tribulações;
sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a
experiência, e a experiência a esperança." (Rm.5.3-4). Se não tivéssemos
a tribulação também não teríamos os resultados positivos que ela produz
em nós. "Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só;
mas se morrer, dá muito fruto." (João 12.24). Se não houver morte também
não haverá ressurreição.
2 - A doutrina do rei 18-20 - Conforme deduzem alguns comentaristas, uma
das preocupações de Mateus era o atendimento das necessidades da sua
comunidade, a igreja. Por isso ele selecionou e organizou seu material
da forma como temos hoje. Nesses capítulos encontramos ensinamentos de
Jesus sobre humildade, o valor de uma alma, o perdão, decisões da
igreja, divórcio, o perigo das riquezas e as recompensas aos seus
seguidores.
3 - A rejeição do rei 21-22 – Os judeus recebem Jesus em Jerusalém com
entusiasmo. Porém, estranham sua atuação no templo, quando ele expulsa
os comerciantes e derruba suas mercadorias. Da mesma forma muitos
estranham as mudanças que Jesus deseja fazer em suas vidas após terem-no
recebido como Salvador. Na seqüência, Jesus conta uma parábola que
mostra a chegada dos gentios para o reino, enquanto que os judeus ficam
em último lugar. Em todo tempo os fariseus ouviam tudo isso. Porém,
nunca entendiam o alerta de Jesus. Sempre se viam ameaçados por ele,
quando deviam vê-lo como salvador. E assim, se punham sempre em atitude
de perseguição e isto apenas se tornava cumprimento das próprias
palavras de Cristo.
4 - As censuras do rei 23 – Até então, os fariseus vinham praticando um
tipo de "perseguição teológica" contra Jesus. Tentavam colocá-lo em
dificuldade afim de apanhá-lo em alguma palavra. Jesus, por sua vez,
vinha administrando o conflito de forma amigável. Porém, no capítulo 23,
Jesus parte para o confronto. Ele usa palavras duras e revela
publicamente toda a corrupção dos fariseus. Com tudo isso acrescentado
ao episódio do templo, aqueles religiosos já se consideravam de posse de
motivos suficientes para condenar Jesus à morte.
5 - As predições do rei 24-25 - Temos nesse trecho um discurso
apocalíptico de Jesus. É a escatologia do Mestre tratando dos sinais dos
últimos tempos, o surgimento de falsos cristos, sua segunda vinda, o
arrebatamento, o juízo e a eternidade. Fica demonstrada então o
conhecimento de Cristo sobre os eventos futuros, exceto sobre o dia da
sua vinda. Já que ninguém sabe esse dia, senão o Pai, Jesus reforça bem
a necessidade de vigilância por parte de seus seguidores. Alguns fatos
previstos nesses capítulos relacionam-se à destruição de Jerusalém no
ano 70. Isso é claro em relação ao templo (Mt.24.1-2). No texto dos
versículos 15 a 21, temos uma referência à Judéia e ao lugar santo.
Nota-se, portanto, uma indicação específica para os fatos que haveriam
de acontecer em Jerusalém. Não obstante, algumas profecias podem se
aplicar a mais de um momento histórico. Além disso, muitos versículos
dos referidos capítulos não tiveram seu cumprimento no ano 70. Sobre o
próprio templo, uma de suas paredes ainda se encontra de pé até hoje e
recebeu o nome de Muro das Lamentações. Jesus disse que ali não ficaria
pedra sobre pedra. Então, resta ainda um cumprimento final para aquela
profecia do Mestre.
6 - Os sofrimentos do rei - 26-27 – As autoridades religiosas levaram às
últimas conseqüências sua perseguição ao mestre. Essa parte trata da
traição de Judas, prisão e morte de Jesus. Até nesse momento, o título
real acompanha o Messias. Sobre sua cruz se coloca a inscrição em
caracteres romanos, gregos e hebraicos: "Este é Jesus, o Rei dos
judeus." (Mt.27.37 Lc.23.38). O que, para os algozes era uma acusação
contra Cristo, tem maior significado como acusação contra seus próprios
malfeitores. Mataram o rei dos judeus. Tal escrita torna-se mais
significativa ainda quando a vemos como uma declaração para o mundo a
respeito de Cristo. Ali estava a verdade. A partir de então, cabe a cada
ser humano aceitá-la ou rejeitá-la. Contudo, isso não mudará a essência
da afirmação, a qual foi escrita nos três principais idiomas daquela
região. Embora o aramaico não tenha sido usado, bastavam os caracteres
romanos, hebraicos e gregos para que qualquer pessoa que por ali
passasse pudesse ser capaz de ler aquela frase. A mensagem da cruz é
para todos, a todos foi dirigida e quem quiser ignorá-la não terá outro
caminho de salvação.
7 - O triunfo do rei 28 – Encerrando seu livro, Mateus fala sobre a
ressurreição de Jesus. Está então demonstrado o poder triunfal do Rei
Messias sobre sua própria morte. Agora, tendo recebido todo poder nos
céus e na terra, ele dá ordens aos seus discípulos para que levem o
evangelho a todas as nações.