O Que Estão Ensinando aos
Nossos Filhos?
Introdução: A Relevância do
Tema
Nas últimas décadas o ensino
brasileiro foi submetido a
várias tentativas de
atualização. Técnicas
modernas têm sido empregadas
e as metodologias utilizadas
são cobertas de uma auréola
de pesquisas científicas.
Nossos injustamente
mal-remunerados
profissionais de ensino têm
procurado capacitar-se cada
vez com maior afinco.
No entanto, a realidade é
que vivemos uma crise em
nossas escolas. A crise não
é gerada somente pela falta
de investimentos no setor ou
pela deficiência acadêmica
das escolas públicas. Ela
está profundamente enraizada
na filosofia de educação
recebida desde a tenra
infância. Ela se reflete
concretamente no nosso lar,
na formação dos nossos
filhos, no conhecimento que
recebem ou que deixam de
receber, na visão de vida
que tendem a desenvolver,
nos padrões de aferição que
constroem para sua
existência, na suposta
"apreciação da vida com
responsabilidade" que leva
jovens a viver
irresponsavelmente.
É necessário que procuremos
conhecer a filosofia que vem
sendo crescentemente
aplicada há mais de três
décadas em quase todas as
escolas e que tem servido de
base para a formação de
gerações de professores dos
nossos filhos.
É necessário que venhamos a
aferi-la por um padrão maior
de julgamento.
É imprescindível que
consideremos a questão
educacional no seu contexto
moral e, portanto, não como
uma atividade autônoma do
esforço humano, mas como
sujeita às determinações e
diretrizes que o Criador de
todas as pessoas colocou em
sua Palavra, para nossa
orientação.
Se procurarmos a filosofia
predominante em nossas
escolas e na formação
pedagógica das últimas
décadas, esbarraremos no
construtivismo, que
considera o conhecimento
como sendo resultado das
interações da pessoa com o
ambiente onde vive. Nesse
conceito, todo conhecimento
é uma construção que vai
sendo gradativamente formada
desde a infância, no
relacionamento com os
objetos físicos ou culturais
com os quais as crianças
travam contato.
De uma forma simplificada,
podemos dizer que o
construtivismo postula que o
conhecimento é algo que
cresce subjetiva e
individualmente, como um
cristal em uma solução
salina.
Nesse sentido, não é algo
que deva ser transmitido ou
dado pelo professor.
O mestre é apenas um agente
facilitador nesse processo
de crescimento.
De acordo com o
construtivismo, o
direcionamento dos
professores (e, por
inferência, dos pais e de
todos os envolvidos no
processo educativo da
criança) pode ser algo
prejudicial e não benéfico
ao estudante, principalmente
se eles não compreenderem os
estágios de assimilação
cognitiva das crianças1 e
procurarem agir como agentes
transmissores de suas
próprias realidades.
O construtivismo é a
filosofia atual de maior
alcance, abrangência ou
influência na sociedade
brasileira. Essa afirmação
ousada é respaldada pela
constatação da sua aceitação
praticamente universal pelas
escolas de primeiro grau,
tanto as seculares como as
chamadas evangélicas.
Portanto, a indiferença não
é uma postura possível às
pessoas conscientes.
Você pode nunca ter ouvido o
termo; você pode não ter o
mínimo interesse em
filosofia educacional; você
pode não ter familiaridade
com os nomes dos principais
proponentes dessa corrente,
mas são altíssimas as
possibilidades de que o
construtivismo já
influenciou ou vai
influenciar a sua vida. Se
você tem filhos em idade
escolar, há mais de 90% de
probabilidade de que estão
sendo orientados com uma
visão educacional
construtivista. Mesmo que a
prática pedagógica em uma
escola específica não seja
coerentemente
construtivista, essa
filosofia, que abraça não
somente a forma de
desenvolver o conhecimento,
mas também a formação dos
sistemas de valores e
relações interpessoais, terá
participado ativamente da
formação dos alunos.
I. Objetivos deste Ensaio
Nosso objetivo não é fazer
uma exposição detalhada do
construtivismo. Existem
muitos trabalhos que podem
realizar esse propósito.
Queremos demonstrar,
partindo da constatação da
aceitação abrangente e
acrítica do construtivismo
na quase totalidade do
cenário educacional
brasileiro, que ele é muito
mais do que uma metodologia
de educação.
Na realidade, é uma
filosofia que possui muito
conteúdo e está fundamentada
em postulados
epistemológicos,
comportamentais e morais que
contradizem princípios da fé
cristã.
Além disso, o ensaio não
pretende trazer uma palavra
final sobre conceitos do
construtivismo e como eles
se relacionam com as
Escrituras, mas introduzir o
assunto e destacar alguns
pontos contrastantes de
inquestionável importância.
A intenção é despertar um
amplo debate cristão,
pedagógico e teológico sobre
o construtivismo.
Os educadores cristãos devem
fazer um exame criterioso do
construtivismo, à luz das
Escrituras.
É necessário discernir se
praticam realmente uma
metodologia, ou se abraçaram
uma filosofia e, qualquer
que seja o caso, se existe
respaldo na Palavra de Deus
para o que estão colocando
em prática e se essa escola
é coerente com a totalidade
das premissas cristãs de
vida.
Os pais cristãos devem se
aperceber de que nas escolas
onde os seus filhos estudam
a questão vai muito além de
"como as coisas estão sendo
ensinadas"; na realidade, os
pais devem demonstrar
profundo interesse pelo
conteúdo ministrado às suas
crianças e pelo tipo de
formação existente na
escola, inquirindo
persistentemente - o que
estão ensinando aos nossos
filhos?
II.
Jean Piaget Lança os
Fundamentos
Jean Piaget (1896-1980) foi
um estudioso e pesquisador
que apresentou
características extremamente
precoces. Aos 11 anos, em
1907, já era assistente do
museu de história natural de
Neuchâtel, na Suíça, sua
cidade natal. Piaget
interessou-se intensamente
pela biologia e com 21 anos
de idade, em 1917, possuía
em torno de 25 trabalhos
publicados nessa área, na
qual obteve o seu doutorado.
Seu interesse por esse ramo
da ciência iria nortear seus
trabalhos subseqüentes em
outros campos, o ponto de
considerar a biologia "uma
nova dimensão: como ciência
da vida, pode ter a chave de
explicação de todas as
coisas".
Muito cedo ele desenvolveu o
apreço pela metodologia
científica que o levaria a
revolucionar o campo da
psicologia educacional e da
pedagogia, realizando
experiências e pesquisas em
vez da simples emissão de
idéias. A originalidade de
Piaget "consiste na
abordagem experimental dos
problemas filosóficos".
Essa frase, escrita por uma
educadora construtivista,
apreende e expõe um dos
pontos mais mal-entendidos
na obra de Piaget. Enquanto
ele é propagado e
reconhecido como educador,
tendo o seu nome adornado
centenas de escolas
primárias, especialmente no
Brasil, que se colocam como
praticantes do seu "método,"
Piaget não desenvolveu
nenhum método específico,
mas examinou e estabeleceu
premissas filosóficas. Esse
fato é reconhecido, com uma
percepção rara no meio
pedagógico, por essa sua
seguidora, que escreveu
ainda: "Os problemas
enfrentados pelo
empreendimento intelectual
de Piaget são tipicamente
filosóficos, já que seu
interesse predominante foi
responder a questões
clássicas da filosofia,
naquilo que se refere ao
conhecimento".
Certamente não pairam
dúvidas de que Piaget
estabelece alicerces
filosóficos, como revela a
mesma educadora: "O edifício
teórico construído por
Piaget está impregnado do
diálogo filosófico".
O foco das preocupações de
Piaget foi "explicar a
passagem da evolução
biológica, e principalmente
psicológica, do ser humano,
para a construção das
matemáticas e das ciências
formais em geral".
Um dos seguidores de Piaget
cristaliza bem a sua
compreensão naturalista da
evolução do conhecimento no
indivíduo, dizendo que, na
visão construtivista de
Piaget sobre as atividades
metafísicas das pessoas, "o
desenvolvimento do
conhecimento é um processo
biológico".
O objetivo de Piaget foi
desenvolver uma teoria do
conhecimento e sua
progressão, no indivíduo, de
um estágio simples a um mais
complexo. Inicialmente
buscou teorizar sobre o
desenvolvimento cognitivo
partindo de uma visão
evolutiva da humanidade -
desde o homem primitivo até
os dias atuais (filogênese),
mas passou a se concentrar
no desenvolvimento do
conhecimento desde o
nascimento até a idade
adulta (ontogênese). Muito
do seu trabalho é
classificado como
psicogenética, na qual
procura descrever os
estágios pelos quais passa a
criança desde os primeiros
passos (aquisição de uma
inteligência prática) até a
postura lógica-dedutiva que
caracteriza a adolescência e
a idade adulta.
Partindo de suas pesquisas,
Piaget postulou quatro
estágios, ou períodos, no
desenvolvimento mental da
criança:
1. O período sensório-motor
- do nascimento aos 2 anos;
2. O período pré-operatório
- dos 2 aos 7 anos;
3. O período das operações
concretas - dos 7 aos 12
anos;
4. O período das operações
formais - dos 12 aos 15
anos.
A revolução acadêmica
provocada por Piaget atingiu
praticamente todas as
correntes pedagógicas, no
sentido de que pelo menos as
metodologias de qualquer
persuasão foram repensadas.
Nesse sentido, podemos
registrar nos últimos anos
alguns melhoramentos
saudáveis no sistema
educacional, tais como:
(1) O processo educacional
passou a ser mais interativo
e participativo - mais
interessante para o aluno;
(2) A individualidade dos
alunos passou a ser
observada pelos professores
com maior intensidade e
consideração;
(3) As limitações dos alunos
não foram descartadas;
(4) Os pais, e não somente a
escola, foram considerados
uma parte importante para o
conhecimento dos educandos;
(5) O material didático
produzido passou a
apresentar não somente
conteúdo, como também forma,
sendo que esta última
acentuou a atratividade
estética, procurando
despertar o interesse dos
alunos.
Podemos dizer que o
construtivismo sacudiu os
acomodados, mas infelizmente
não podemos creditar os
avanços acima descritos à
implantação coerente dessa
filosofia nas escolas. Para
podermos entender os
conflitos e contradições
inerentes ao construtivismo,
um autor construtivista
afirma que o sistema escolar
não deve ser um
"adestramento domesticador
dos jovens para conformá-los
às regras, valores e
símbolos da sociedade
adulta".
III.
Piaget, a Objetividade das
Pesquisas e as Implicações
Morais do Construtivismo
Educadores e pedagogos
admitem que os estudos sobre
a teoria construtivista
começaram com Piaget, mas o
termo construtivismo não tem
sua origem nem popularização
nas suas obras, como adverte
um autor construtivista: "A
palavra 'construtivismo' não
é 'clássica' na obra de Jean
Piaget. Creio que ele passou
a empregá-la na última fase
de sua produção escrita (ou
seja, nos últimos vinte anos
dos sessenta em que escreveu
sistematicamente sobre
Epistemologia)".
As idéias de Piaget
apareceram na forma de
conclusão de observações e
experiências. Diferiam,
assim, das meras opiniões
emitidas até então por
educadores e psicólogos.
Pareciam mais "científicas"
por estarem respaldadas em
dados e experiências. Ocorre
que essas pesquisas foram
bastante limitadas e
subjetivas. Muitos
educadores, até mesmo
construtivistas convictos,
têm, com justiça, criticado
a extrapolação das
afirmações tão conclusivas
do construtivismo sobre a
epistemologia da humanidade
com base em levantamentos
experimentais e dedutivos
tão restritos.
O fato é que Piaget, sendo
autor prolífico e contando
com inúmeros colaboradores e
colaboradoras em suas
pesquisas, ampliou suas
atividades na área
psico-educacional, e não
ficou restrito à mecânica do
aprendizado. Uma de suas
áreas de interesse foi a
questão do julgamento moral
e do ensino da moralidade às
crianças, cristalizadas em
seu livro O Juízo Moral na
Criança, escrito em 1932.
Ele levou a esse campo os
postulados já emitidos na
área da epistemologia. Uma
das conclusões de Piaget, ao
pesquisar como as crianças
aprendiam, foi de que
direcionamento pedagógico é
igual a coação intelectual.
Com isso estabeleceu bases
libertárias para o
construtivismo, inibindo a
ação orientadora dos
professores como
transmissores de
conhecimento.
Semelhantemente, na área das
convicções morais, Piaget
realizou pesquisas para
postular que direcionamento
ético é igual a coação
moral. Ele considerava suas
conclusões nos dois campos
extremamente paralelas,
afirmando que "a coação
moral é parente muito
próxima da coação
intelectual."
As implicações dessa espiral
abrangente no trabalho de
Piaget e seus seguidores não
pode ser ignorada. O
construtivismo nunca pode
ser entendido como uma
metodologia educacional, mas
como uma filosofia que
atinge tanto a esfera
cognitiva como a moral, com
conseqüentes reflexos na
totalidade da existência
tanto dos educandos como dos
educadores. No campo do
aprendizado moral, Piaget se
posicionou firmemente contra
o realismo moral, que ele
definiu como a "tendência da
criança em considerar
deveres e valores a ela
relacionados como
subsistindo em si,
independentemente da
consciência e se impondo
obrigatoriamente."
Procurando que as crianças
construíssem os seus
próprios sistemas de
valores, Piaget rejeitava
qualquer tentativa de
estabelecer fontes externas
de padrões morais. Em seu
entendimento, o realismo
moral deve ser rejeitado
porque nele o "bem se define
pela obediência."
A filosofia da fé cristã tem
uma posição singular e
específica nessa questão.
Ela não se alicerça no
"realismo moral," como
definido por Piaget, nem nas
conclusões libertárias e
subjetivas do
construtivismo. Na verdade,
a filosofia da fé cristã tem
em comum com o "realismo" o
fato de aceitar absolutos
morais como realidades
objetivas que devem ser alvo
de instrução, sendo
utilizadas na formação das
crianças. Como acreditamos
que os valores morais
procedem de Deus e são um
reflexo dos seus atributos
no ser humano, não aceitamos
que tais valores existam
"independentemente da
consciência." Cremos que de
Deus procedem unidade,
metafísica e física. Mesmo
conscientes de que o pecado
perturba o equilíbrio e o
conhecimento, sabemos que
quando proposições objetivas
e determinações morais
corretas são transmitidas às
crianças, encontram eco em
suas consciências. Seus
valores não são firmados em
um vácuo, mas alicerçados
numa criação gerada à imagem
e semelhança de Deus. Como
cristãos, não aceitamos que
o bem seja algo formulado
pela sociedade. Nem tampouco
é algo subjetivo, "definido
pela obediência." Antes, o
bem, para o ser humano, é o
reflexo concreto da justiça
e bondade de Deus, colocado
tanto na constituição das
pessoas como nas proposições
da lei moral revelada nas
Escrituras.
IV.
o Construtivismo e o
Conhecimento Objetivo da
Verdade
Segundo Piaget, o
conhecimento resulta de uma
inter-relação entre o
sujeito que conhece e o
objeto a ser conhecido.
A inferência é que não
existe forma de se conhecer
a verdade objetiva, uma vez
que o conhecimento é um
reflexo subjetivo, gerado na
mente do que aprende. Um
autor construtivista afirma
que Piaget "evidentemente
via que a verdade absoluta -
como um padrão desejável -
não é compatível com uma
opinião estritamente
construtivista."
Segundo as premissas do
construtivismo, nem
poderíamos saber se a
verdade objetiva existe, ou
se o que assim achamos que
seja representa apenas uma
das muitas reações que podem
ocorrer a um dado fato ou
incidente. O mesmo autor
acima citado diz que
"premissas metafísicas
estáticas e uma visão
plenamente construtivista
são pontos de vista que se
excluem mutuamente."
Ou seja, o construtivismo
coerente não pode aceitar a
realidade de âncoras
metafísicas. Por outro lado,
a fé cristã está exatamente
alicerçada e edificada sobre
âncoras metafísicas
estáticas, no sentido de que
representam realidades
objetivas que nos foram
reveladas pelo próprio Deus,
que é imutável (Tg 1.17:
"...em quem não pode existir
variação nem sombra de
mudança"; Ml 3.6: "Porque
eu, o Senhor, não mudo").
Deus é a nossa grande âncora
metafísica, perceptível e
revelado ao nosso intelecto
e coração pelo seu Espírito
(Rm 1.19; Mt 13.11). De
acordo com certo autor, os
componentes filosóficos do
construtivismo "têm sido
utilizados durante anos por
empiricistas,
instrumentalistas,
operacionalistas, idealistas
e outras correntes, em sua
argumentação contra a
possibilidade das pessoas
possuírem a possibilidade de
conhecer, sem ambigüidades,
a realidade."
Essa negação da
possibilidade de se conhecer
a realidade e a verdade
objetiva se faz presente em
uma das frases prediletas de
Piaget - "o conhecimento não
é uma cópia da realidade." O
construtivismo apresenta,
nesse aspecto, um forte
paralelo com o conceito
epistemológico neo-ortodoxo
e pós-moderno de que a
história objetiva e os fatos
da realidade são
irrelevantes ao conhecimento
cristão. Um exemplo de como
esse conceito, no campo
teológico, contradiz as
Escrituras, diz respeito à
ressurreição. Para os
neo-ortodoxos, o fato
relevante não é se a
ressurreição realmente
ocorreu, mas sim que a
descrição dos eventos é um
reflexo religioso das
impressões das ocorrências
nas mentes dos narradores.
Essa impressão, e não os
fatos em si, tem valor
espiritual e religioso,
aproximando-nos
subjetivamente de Deus. Em
oposição a esse
subjetivismo, a Palavra de
Deus declara categoricamente
a realidade da ressurreição
como história concreta
(fatos objetivos) e Paulo
substancia essa realidade
com o testemunho de muitas
pessoas (prova objetiva). A
Bíblia, portanto, não trata
o conhecimento como fruto da
interação do objeto com a
mente do sujeito. Na visão
divina, o conhecimento não é
algo que tem que ser
construído, mas sim
transmitido e desvendado. O
construtivista pode
declarar: "Cristo pode ter
ressuscitado, ou não. Na
realidade não é muito
importante se isso realmente
aconteceu; o importante é
como você constrói as suas
ilações dos reflexos
religiosos de alguma coisa
importante que ocorreu há
dois mil anos atrás,
conforme lemos nesses livros
da Bíblia." Todavia, para
Paulo, o fato da
ressurreição em si tinha
tanta importância que ele
declara em 1 Co 15.17 e 19
que "se Cristo não
ressuscitou é vã a vossa fé"
e "somos os mais infelizes
de todos os homens." É como
se ele estivesse dizendo: "O
conhecimento do fato da
ressurreição é real e
objetivo (o fato realmente
aconteceu) e me foi
desvendado (ou revelado) por
um professor não
construtivista, que
preocupou-se em ensinar-me
verdades objetivas. Mas se
esse fato (história bruta)
não aconteceu, e eu estou
enganado, então de nada
adiantam os meus reflexos de
fé, as minhas impressões ou
construções religiosas. A
nossa fé seria vazia e eu
seria o mais miserável dos
homens, pois além de estar
me enganando, enganaria a
outros." Nesse e em outros
exemplos, a Palavra de Deus
reafirma fortemente a
existência do conhecimento
objetivo e da verdade
objetiva. Nada encontramos
que respalde o conceito
construtivista de
conhecimento e verdade
subjetiva e a noção popular
relativista, tão
freqüentemente ouvida: "A
sua verdade não é a minha
verdade." Existe verdade
real e singular na Palavra.
O próprio Jesus Cristo
indicou: "Eu sou o caminho,
a verdade e a vida. Ninguém
vem ao Pai senão por mim" (Jo
14.6). As Escrituras são a
representação da verdade,
como está expresso na oração
de Cristo em Jo 17.17:
"Santifica-os na verdade, a
tua Palavra é a verdade."
V.
o Construtivismo e a
Irrelevância das Respostas
De acordo com o
construtivismo, o que
interessa é a pergunta e não
a resposta.
Numa tenra idade, quando os
alunos mais necessitam de
direcionamento e de
respostas às questões a
serem compreendidas,
concede-se-lhes uma
autonomia indevida para que
pesquisem o que ainda não
têm a capacidade de entender
e compreendam o que não lhes
foi ensinado. Emília
Ferreiro, uma das maiores
expoentes do construtivismo,
é também uma grande atração
no circuito de palestras do
mundo pedagógico. Para
muitos, ela é considerada a
última palavra em educação
contemporânea, como expressa
esta notícia extraída de um
jornal de grande circulação:
A psicolingüista argentina
Emília Ferreiro, de 59 anos
- uma das mais importantes
educadoras em atividade e
idealizadora do
Construtivismo - lotou ontem
o auditório da Escola de
Aplicação da Faculdade de
Educação da USP. Emília
falou por cerca de duas
horas para um público de 300
pessoas sobre "A
Diversidade: um tema para a
pesquisa psicolingüística e
para repensar a educação
para o próximo século."
Apesar do título bastante
ousado da palestra, parece
que não foram fornecidas
muitas respostas e
diretrizes "para o próximo
século" (pois se assim fosse
contrariar-se-ia a própria
premissa do construtivismo),
uma vez que o artigo é
encerrado com a seguinte
colocação: "Para mudar o
quadro, Emília não trouxe
respostas. 'Sei que é um
problema muito importante,
cabe aos educadores
pensá-lo', concluiu a
psicolingüista."
Uma música "rap" escrita por
Artis Ivey, Jr. (Coolio)
expressa muito bem o
niilismo e o desespero que
toma conta das mentes que
clamam por orientação, mas
são abandonadas a construir
autonomamente o seu futuro.
Um de seus trechos afirma:
They say I've got to learn,
Eles dizem que eu preciso
aprender, But nobody's here
to teach me. Mas ninguém
está aqui para me ensinar.
They think they understand,
Eles acham que entendem, But
how can they reach me? Mas
como podem me alcançar? I
guess they can't, Acho que
eles não podem, I guess they
won't. Acho que eles não o
farão.
Ausência de direcionamento é
o que o construtivismo
defende. Na prática, essa
situação está expressa nos
versos acima, mas o
resultado de tal omissão não
é "conhecimento construído,"
mas caos educativo
implantado. Com tantos anos
de prática dessa filosofia,
não podemos nos surpreender
quando a frustração e a
indisciplina tomam conta das
salas de aula. Não
deveríamos ficar abismados
quando os alunos, deixados à
sua inclinação natural,
começam a "construir" formas
hedonísticas de satisfação e
são levados à marginalidade
e às drogas. Deveríamos
entender que a busca do
conhecimento sem
direcionamento leva ao
envolvimento com as mais
diversas questões que
competem entre si pelo
prêmio da irrelevância
suprema na vida que se
descortina aos futuros
cidadãos. Martin Lloyd-Jones
contesta a visão didática
moderna e pós-moderna, a
qual ele chama de "culto da
auto-expressão," que retira
o direcionamento e a
correção de rumo das salas
de aula, pois seriam fatores
inibidores da construção
moral e intelectual esperada
das crianças. Ele chama a
atenção para as escolas
"onde o antigo programa de
ensinar às crianças as três
instruções básicas não é
mais popularmente aceito. O
resultado da atual noção
popular de que a finalidade
da educação consiste
primordialmente em treinar a
criança a expressar-se pode
ser visto por toda a parte,
tanto no colapso do controle
paterno, como no aumento da
delinqüência juvenil."
Do ponto de vista
bíblico-teológico, o
direcionamento deveria estar
sempre presente, pelo
reconhecimento do elemento
do pecado e pela
possibilidade desse
direcionamento moldar vidas
para um comportamento
responsável em sociedade,
mesmo quando falamos de
descrentes e pessoas não
regeneradas pelo sacrifício
de Cristo. Mesmo em sua
natureza pecaminosa, os
seres humanos são capazes de
agir pela lei da natureza,
que procede de Deus, e são
habilitados pela ação do seu
Espírito (o que os teólogos
chamam de graça comum) a
concretizar valores morais
em suas ações (ver Mt 7.11 -
os homens, mesmo sendo maus,
sabem procurar o bem de seus
filhos). Esse bem é
relativo, no sentido de que
não possui validade
espiritual eterna, pois não
procede de um coração
regenerado que
conscientemente realiza as
ações para a glória do
Criador (Pv 21.14; Rm 8.8).
Entretanto, o bem assim
praticado, considerado
intrínseca e isoladamente, é
uma ação de valor. Abrir mão
de direcionamento e
disciplina é promover o
caos, a irresponsabilidade
social e o descontrole total
nas salas de aula.
VI.
A Experiência de Summerhil
Os postulados do
construtivismo fizeram parte
dos conceitos de Alexander
Neill (1883-1973),
praticados na desastrada
experiência da escola
Summerhill, na Inglaterra.
Neill foi um educador
escocês entusiasmado com as
chamadas "modernas técnicas
de educação." Em 1917,
visitou uma comunidade de
delinqüentes juvenis que era
administrada sob a premissa
da "bondade inata das
crianças."
Em 1921, Neill fundou a
escola Summerhill. Duas
premissas básicas da escola
são a rejeição de qualquer
autoridade no processo
educacional e a importância
do bem-estar emocional da
criança acima do seu
desenvolvimento acadêmico. A
escola passou por várias
localizações e hoje está
situada na cidade de Leiston,
na Inglaterra, onde é
administrada pela filha de
Neill, Zoe Readhead. Como na
escola Summerhill, dentro
dos seus princípios, as
crianças brincam o tempo que
querem e a freqüência às
aulas é opcional, além de
outras peculiaridades, como
o nado coletivo sem roupas,
a escola tem sido alvo de
pressão e inspeção do
governo inglês, no sentido
de que se enquadre em
padrões morais e acadêmicos
aceitáveis. Um autor
construtivista escreve o
seguinte sobre Summerhill:
Com base na doutrina de
Rousseau, que fundiu com
teses de Sigmund Freud e
Wilhelm Reich, Neill se
propôs a realizar o
postulado de uma educação
sem violência. Afinal, para
Rousseau e também na opinião
do educador escocês, o homem
recém-nascido é bom em
essência [grifo nosso]. Se
ele puder crescer em plena
liberdade, sem uma direção
autoritária, sem influência
moral e religiosa, sem
ameaças e sem coação, só
conhecendo o limite, o
direito e a liberdade do
outro, aí a criança se
transformará em um homem
feliz e, conseqüentemente,
bom.
Esse entendimento é
inteiramente oposto ao
conceito bíblico-teológico
do pecado. Não apenas se
contradiz a essência da
natureza humana caída (Rm
3.10-23; 5.12), como também
se determina a salvação pela
ausência de autoridade.
Pelas idéias de Neill, o ser
humano encontra a felicidade
na ausência de "influência
moral e religiosa." Ainda
segundo Neill, "a religião
diz: sê bom e serás feliz.
Mas o inverso é mais certo:
sê feliz e serás bom."
Ocorre que, nesse ponto,
Neill estava certo: a
religião verdadeira, a
revelação divina, coloca a
felicidade como um
sub-produto do enquadramento
nos preceitos de Deus (Sl
1.1-3). A observância dos
seus mandamentos produz uma
vida harmônica na sociedade
e a verdadeira liberdade. O
construtivismo, proclamando
essa falsa libertação
praticada por Neill e pela
escola Summerhill, leva à
escravidão.
VII. O Sistema de Valores
do Construtivismo
A autonomia individual ou a
definição personalizada dos
rumos do conhecimento, do
crescimento intelectual, é
um dos princípios básicos do
construtivismo. Essa visão,
entretanto, não está
restrita ao desenvolvimento
do conhecimento próprio. Já
fizemos alusão, em ponto
anterior, ao fato de que o
construtivismo não está
restrito à mecânica do
aprendizado, mas tem
abrangência na área do
julgamento moral das
pessoas. Com efeito, o
construtivismo também
reivindica autonomia na
formação moral, em paralelo
à formação intelectual do
ser humano. Esse é um passo
gigantesco e de grandes
implicações teológicas. Não
apenas os psicólogos e
especialistas educacionais
construtivistas,
supostamente apoiados em
suas experiências, passam a
ditar o que se conhece e
como se conhece, mas tratam
as questões morais, os
sistemas de valores, em
paridade com a formação
intelectual, postulando
igual individualidade e
subjetivismo. Esse ponto
procede dos trabalhos de
Piaget, como bem claramente
apresenta um autor
construtivista: Para Piaget,
ter assegurado o direito à
educação, significa ter
oportunidades de se
desenvolver, tanto do ponto
de vista intelectual, como
social e moral… Para que
esse processo se efetive, é
importante considerar o
principal objetivo da
educação que é a autonomia,
tanto intelectual como
moral.
Como vemos, a filosofia
construtivista não ficou
restrita ao campo
educacional. Ao determinar
essa autonomia "tanto
intelectual como moral," o
construtivismo elimina
qualquer possibilidade de
absolutos morais, uma vez
que eles são subjetivamente
construídos em cada
indivíduo. Os
construtivistas passaram das
teorias relacionadas com a
formação do conhecimento nas
pessoas (epistemologia
própria), para teorizar
sobre a questão dos valores
morais (ética). Um dos
livros mais famosos de
Piaget (já citado neste
ensaio) é O Juízo Moral na
Criança, no qual ele
disserta sobre comportamento
moral e demonstrações de
moralidade nos alvos de suas
experiências. Suas
conclusões, largamente
utilizadas pela psicologia
educacional, resultaram na
falta de direcionamento
moral nas escolas. Suas
teorias foram construídas
fora das premissas bíblicas
da existência do pecado e
dos dados bíblicos sobre o
pecado original. É
exatamente neste passo
ilegítimo dado pelo
construtivismo que ocorrem
as maiores contradições
entre o trabalho de Piaget e
de seus seguidores e a
Palavra de Deus.
VIII. A Gênese do Dever
Moral na Filosofia de Piaget
O teólogo reformado John H.
Gerstner (1913-1996) observa
que a origem do próprio
senso de moralidade [da
criança] mostra ter conexão
direta com a sua
constituição inata e com o
ensinamento dos seus pais.
Escreve ele: Nem a Bíblia,
nem qualquer outro tipo de
literatura religiosa, é a
fonte da consciência moral,
porque senão a existência
dessa conscientização moral
fora da Bíblia ou de outras
tradições religiosas
permaneceria sem explicação…
Nem o cristianismo nem as
demais comunidades
religiosas possuem o
monopólio da consciência… A
Bíblia ensina em Rm 2.14-16
que os homens possuem uma
consciência moral
independente da própria
Bíblia.
Jean Piaget defende um
pensamento totalmente
contrário. Em sua visão, as
pessoas são tabula rasa no
sentido moral.
Nada possuem de referencial
inato de moralidade, e muito
menos de inclinação para o
mal em função do pecado
original. Alguns trabalhos
acadêmicos que defendiam
essa posição, mesmo
empiricamente (sem
abstraí-la das verdades das
Escrituras), foram duramente
contestados por Piaget, como
por exemplo o de Helena
Antipoff, que reconhecia nas
crianças a existência de
"uma 'estrutura moral'
elementar, que a criança
parece possuir muito cedo e
que lhe permite apreender,
de uma só vez, o mal e a
causa deste mal, a inocência
e a culpabilidade."
Contra a existência dessa
"manifestação moral inata,
instintiva, e que, para se
desenvolver, não precisa, em
suma, nem de experiências
anteriores nem da
socialização da criança
entre seus semelhantes,"
Piaget postula que as
reações da criança nessa
idade, assim interpretadas,
são fruto de "toda espécie
de influências adultas" e
nada têm de intrínseco à
natureza ou formação
constitucional da criança.
Ou seja, Piaget não aceita o
ensinamento bíblico da
existência e noção do mal
nas pessoas (teologicamente
chamada de "pecado
original"), desde o seu
nascimento. Mais uma vez,
Gerstner aponta para a
operação harmônica de Deus
tanto internamente nas
pessoas, como na natureza.
Ele afirma que a natureza
procede de Deus;
conseqüentemente, o
discernimento moral derivado
da natureza deve refletir os
valores de Deus. Pode o Deus
verdadeiro revelar,
sobrenaturalmente,
obrigações morais adicionais
que venham a contradizer as
leis da natureza? Os
canibais normalmente
procuram sanção divina (de
suas divindades) para as
suas práticas de
alimentação, mas a maioria
da humanidade discorda de
suas práticas e julgamento
de certo e errado. A nossa
rejeição das práticas dos
canibais resulta não de
negarmos a possibilidade de
revelação divina, mas do
fato de que a revelação
especial não contradiz a
revelação natural e nem a
revelação especial é
contraditória em si mesma,
porque ambas procedem de um
Deus que não se contradiz.
A lei revelada tanto
confirma a lei natural como
é confirmada por esta. Cada
uma diz a mesma história,
porém uma com maior precisão
do que a outra. Tanto a lei
natural quanto a especial
(revelada) nos ensinam o que
é certo e o que é errado,
nos instruem sobre o pecado
original e nos comunicam o
conceito da depravação total
das pessoas, desde a sua
concepção. Ao lermos Piaget,
no entanto, ficamos com a
impressão de que para ele a
realidade divina é
irrelevante, pois a
neutralidade moral das
pessoas é que é uma
realidade indisputável.
As crianças nasceriam
destituídas do senso de
certo e errado, absorvendo
isso dos adultos. Essa
interferência adulta na
construção do pensamento e
dos valores das crianças não
é bem-vinda; antes, em seu
pensamento, é deletéria e
prejudicial. Na realidade,
Piaget afirma com relação às
regras de justiça
retributiva que "se o adulto
não interviesse, as relações
sociais das crianças entre
si bastariam para
constituí-las."
Baseado nessa premissa da
neutralidade moral, Piaget
não pode aceitar qualquer
inclinação para o mal na
criança. Os atos errados
recebem o nome de apenas
mais uma "experiência
física."
Os atos claramente errados e
moralmente questionáveis
recebem o revisionismo
rotulador do construtivismo,
como, por exemplo, nas duas
definições a seguir,
extraídas de um autor
construtivista:
Agressividade - conduta
demonstrada quando existe
frustração, quando as
aspirações da vida não são
realizadas, quando os
desejos fracassam. Violência
- comportamento presente
quando a frustração vai além
do que o indivíduo pode
suportar.
O contraste teológico desses
conceitos com a revelação
bíblica do pecado original e
da depravação total das
pessoas é bastante claro. Os
três primeiros capítulos do
Epístola aos Romanos
transmitem uma visão
totalmente diferente da
natureza humana, mostrando a
necessidade universal e
genérica de direcionamento,
correção e, especialmente,
de salvação da perdição
eterna, em função do pecado
que nos afasta do Deus
Santo. O erro de Piaget e do
construtivismo nesse sentido
deveria ser por demais
evidente aos educadores
cristãos, mas infelizmente
não encontramos muitas vozes
de protesto, proclamando a
realidade do pecado original
e de suas implicações para a
nossa filosofia de educação.
Parece que somos todos
vítimas de uma capitulação
coletiva à pressão acadêmica
para aplicação da visão
construtivista no ensino.
IX.
Relativismo ou Valores
Absolutos?
O construtivismo tem
encontrado muita dificuldade
em manter coerência
filosófica nas premissas que
foram abraçadas. Por um
lado, uma grande maioria dos
seus simpatizantes prega o
relativismo moral e a
inexistência de valores
absolutos. Por outro lado,
uns poucos, forçados pela
observação das sociedades
humanas e até pela realidade
das salas de aula
incontroláveis, vêem a
necessidade de admitir a
realidade de valores morais
universais, como escreveu um
construtivista: Existem
valores morais que
transcendem as classe
sociais, porque são
universais - a liberdade de
consciência, a felicidade
dos homens, o bem-estar
universal, a justiça, a paz,
o amor à verdade, a
solidariedade, etc. Estes
valores devem ser
transmitidos a todos,
indistintamente.
Entretanto, essa
constatação, por mais
verdadeira que seja, é
rapidamente esquecida e não
serve de base para o
desenvolvimento das idéias
apresentadas. A norma é a
apresentação relativista dos
conceitos morais. O mesmo
educador piagetiano Henrique
Nielsen, que escreveu o
parágrafo acima, com sua
apreensão da dialética
marxista, observa que Karl
Marx (1818-1883) demonstrou
de tal modo a relação entre
os valores e a estrutura
social (ideologia), que a
"questão ética deixou de ser
vista de modo absoluto e com
metas almejadas e conceitos
previamente definidos. Com
Marx, os valores referem-se
sempre à realidade concreta
vivenciada pelas pessoas."
Nielsen também defende o
trabalho de Friedrich
Nietzsche (1844-1900),
dizendo que ele criticou
radicalmente as "doutrinas
filosóficas defensoras de
uma concepção metafísica dos
valores. Para este filósofo,
a visão tradicional dos
valores, alicerçada na
ascese cristã, nada mais era
do que uma ética do
ressentimento."
Traduzindo o linguajar "filosofês"
do autor, ele está dizendo
que Nietzsche se posicionou
contra os que defendiam a
tese de que os valores têm
raízes que ultrapassam a
existência do homem, ou
seja, que seriam derivados
da divindade. Na opinião de
Nietzsche, a ética cristã
refletiria apenas o
ressentimento e frustração
de objetivos não alcançados.
X.
Valores ou Costumes?
Tanto Nietzsche como o
construtivista Nielsen
parecem confundir e misturar
o conceito de valor com o de
costume. Os cristãos
diferenciam muito bem esses
dois conceitos
comportamentais. Enquanto os
valores procedem dos
atributos de Deus, são
explicitamente revelados na
lei moral contida nas
Escrituras e estão impressos
na natureza humana
(reconhecidamente afetados
pelo pecado), os costumes
representam regras temporais
geradas por uma diversidade
de razões (algumas derivadas
de valores, outras não). O
cristianismo não despreza os
costumes, e não gera choques
indevidos quando esses são
"moralmente neutros," isto
é, quando não entram em
contradição aberta com
qualquer determinação da lei
moral de Deus. A fé cristã
reconhece a necessidade de
manutenção de um testemunho
tranqüilo e pacífico em meio
às diversas sociedades, com
relação aos seus costumes
peculiares. 1 Tm 2.2 e 2 Tm
3.24 falam que o apreço e a
intercessão pelas
autoridades, requeridas do
servo de Deus, têm como
objetivo a possibilidade de
se viver "uma vida tranqüila
e mansa" e que o mesmo não
deve caracterizar-se por uma
vida de contendas. O próprio
Jesus Cristo, conforme
registra Lucas 2.52, cresceu
em conhecimento46 e,
paralelamente, "em graça
diante de Deus e dos
homens." Certamente não foi
desconsiderando os costumes
que Jesus cresceu no favor
dos circunstantes. Paulo, em
1 Co 11.2-16, transmite
princípios construídos ao
redor do costume local e
temporal de "cobrir a
cabeça." Lucas, em At 18.18,
registra a conformação e
observância por Paulo dos
costumes temporais,
cumprindo as etapas do voto
de nazireu. A adaptabilidade
e flexibilidade de Paulo
está retratada em 1 Co
9.19-23, mostrando a sua
predisposição de conformação
para que os seus objetivos
de proclamação do evangelho
não fossem comprometidos. O
cristão não é, entretanto,
pragmatista, pois, com
relação aos valores,
reconhece o seu caráter
transcendental,
defendendo-os na medida em
que refletem a natureza de
Deus e suas determinações ao
ser humano. Nas palavras do
teólogo R. C. Sproul, "Deus
é, e onde ele é, existe
dever… Deus tem um direito
eterno e intrínseco de impor
obrigações, de subjugar a
consciência de suas
criaturas."
Nesse sentido, os cristãos
não são pacíficos e
tranqüilos e estão prontos a
subverter a sociedade para
apresentar esses valores
centralizados no evangelho
de Cristo (como lemos em At
17.6, onde os cristãos são
descritos como os "que têm
transtornado [subvertido] o
mundo"). "O Evangelho nos
liberta do julgamento
mortífero da lei. Ele nos
liberta da maldição da lei
mas nunca denigre a lei de
Deus. O Evangelho não nos
salva do dever, mas para o
dever, pelo qual é
estabelecida a lei de Deus."
Colocando um dos alicerces
fundamentais da ética
cristã, Paulo ensina em
Romanos 14 e 15 sobre a
necessidade de se evitar
choques culturais através da
quebra de costumes (o
assunto discutido era o
comer carne sacrificada aos
ídolos - um costume), mas
não confunde tais costumes
com os valores morais, que
são derivados dos padrões
eternos e imutáveis da
pessoa de Deus. Na opinião
construtivista expressa por
Nielsen, os valores não são
absolutos ou eternos. "Os
valores são constituídos em
conformidade com a época,
local ou ambiente e
circunstância da sociedade
onde estão inseridos,
variando segundo o seu tipo,
regime político, religiões
dominantes, etc."
Nessa visão, não existe
qualquer aspecto
transcendental ou metafísico
nos valores, que "são
criados pelos homens."
Os valores do passado são
educativos e importantes
para o entendimento cultural
e evolutivo do homem, mas
são meramente referenciais e
não devem ser considerados
"como herança a ser
defendida."
R. C. Sproul faz a seguinte
referência ao relativismo da
época em que vivemos,
alertando quanto à anarquia
ética para a qual nos
dirigimos: A nossa era
apresenta um antinomianismo
sem precedentes… todos fazem
o que parece correto aos
seus próprios olhos. O
relativismo ético é como um
gêmeo siamês, unido pelos
quadris ao ateísmo prático.
Nossa cultura ainda abraça
um deísmo teórico, mas na
prática vivemos como se Deus
não existisse. Cumprimos o
axioma de Dostoyevski: "Se
não existe um Deus então
todas as coisas são
possíveis."
XI. Construtivismo e
Relativismo Moral
O construtivismo é
exatamente a "libertação dos
absolutos" proclamada pelo
homem pós-moderno. Nielsen
identifica bem a questão
quando afirma: "O
construtivismo de Piaget
(1967) encaminha-nos para
uma posição em que o erro,
como oposição ao acerto,
deve ser revisto ou
interpretado de outro modo…
Aquilo que é errado em um
contexto, pode estar certo
em outro."
Ainda de acordo com esse
autor, Paulo foi mal
sucedido em Atenas (apenas
dois convertidos) porque não
reconheceu "os valores
culturais dos ouvintes
gregos. Eles eram
irreconciliáveis com os do
cristianismo."
Ainda em sua opinião, foi a
aplicação dos valores
cristãos, a partir do quarto
século, que impediu "a
especulação filosófica,
científica, afastando todo o
espírito de curiosidade
acerca do mundo."
O cristianismo adotou,
portanto, "um comportamento
anti-intelectivo."
A fé cristã, em sua opinião,
não representa redenção, mas
uma barreira às aspirações
das pessoas. A visão
relativista dos valores
morais é bem evidente em um
"quadro dialético"
construído por esse defensor
da pedagogia construtivista
contemporânea.
Do gráfico apresentado pelo
autor extraímos três valores
exemplificativos (de acordo
com essa filosofia, a coluna
da direita - Valores Novos -
representaria a conclusão
adequada, à qual chega a
sociedade, após ser
submetida à tensão dos
conflitos gerados pelas
posturas comportamentais
contidas nas duas outras
colunas):
|
VALOR (situação)
|
ANTIVALOR (reação)
|
VALORES NOVOS |
Virgindade, castidade,
pureza sexual
Promiscuidade Liberdade
sexual
Estudo (cultura)
Pedantismo
Pragmatismo
Respeito à vida
Eutanásia, aborto, asilos,
manicômios, pena de morte
Bebê de proveta, inseminação
artificial, geriatria
|
|
|
|
|
|
|
|
A nossa sociedade, permeada
pelo pecado e com suas
recém-adquiridas liberdades
pós-modernas, reflete e
acolhe o abandono dos
valores morais, e
providencia um solo fértil
para a pregação permissiva
do construtivismo. Nesse
ambiente, nossos filhos vão
aprendendo a amoralidade
como postura comportamental
normal e aceitável. Como
exemplo disso, a revista
Nova Escola trouxe, em um de
seus números, uma matéria
publicitária travestida de
matéria editorial, com
instruções para a realização
de uma aula de educação
sexual de adolescentes.
A matéria, patrocinada por
diversas marcas de
preservativos, pretende
ensinar a jovens em uma
classe mista, com bastante
detalhes gráficos e
exercícios, como devem "se
proteger" da gravidez, da
AIDS e de outras doenças
sexualmente transmissíveis.
Dentre as cinco alternativas
para prevenir a gravidez não
aparece a abstinência como
uma das opções. É como se
ela simplesmente
inexistisse, quando, na
realidade, seria a única
postura comportamental
compatível com os preceitos
morais que Deus deu às
pessoas solteiras (Êx 20.14;
At 15.20; Ef 5.3; 1 Ts 5.3).
Portanto, como no quadro
acima, terminamos com a
"liberdade sexual" como o
"novo valor" a ser ensinado.
XII. Tese, Antítese, Síntese
e a Filosofia da Fé Cristã
Ao cristão deveria ser
evidentemente falsa uma
visão filosófica que
apresenta a esquematização
superada de
tese-antítese-síntese como
sendo a forma construtiva de
valores e procedimentos.
Essa compreensão parte da
premissa de que os valores
primários são relativos e
passíveis de serem superados
por outros e de que o
processo de contrastes irá
gerar uma forma superior,
mais aceitável e mais
moderna de valores. No
exemplo acima, uma filosofia
que mostra (corretamente) a
promiscuidade se contrapondo
à virgindade, mas que
(erroneamente) chega à
liberdade sexual como
antídoto para essa
promiscuidade, ou como uma
forma superior de
comportamento, não se
sustenta em bases lógicas e
filosóficas, nem encontra
abrigo na ética cristã.
Sobre a questão específica
da promiscuidade, retratada
no quadro acima, John
Gerstner indica que, mesmo
independentemente da
revelação especial das
Escrituras, a lei da
natureza (que procede de
Deus e não é contraditória à
revelação especial)
"encoraja o casamento e
opõe-se à promiscui-dade."
Teríamos, portanto, um valor
não substituível ou
superável. Dando um exemplo
sobre a questão da
promiscuidade, Gerstner
observa que, apesar da "lei
da natureza," da revelação
especial e de todos os
impedimentos sociais
existentes, um homem pode
recusar-se a obedecer esses
deveres e entregar-se à
promiscuidade, envolvendo-se
com várias mulheres, seja
isso certo ou errado.
Entretanto, esse autor
observa que "a recusa [do
homem] no reconhecimento de
um dever não é prova
contrária à existência desse
dever."
É evidente que a suposta
síntese corretiva do
contraste inicial
(virgindade vs.
promiscuidade gerando
liberdade sexual) não
existe, na realidade, nem
abole o valor inerente da
virgindade, castidade ou
pureza. A abordagem isenta
da questão mostra que o que
temos é apenas uma nova
rotulação da posição
contraditória - liberdade
sexual é apenas um novo nome
para promiscuidade. Ou seja,
como alguém declarou
corretamente, a nova
moralidade não passa da
velha imoralidade sob novos
nomes. Infelizmente, muitos
autores e pensadores
evangélicos têm sucumbido
diante dessa forma de
análise filosoficamente
superada para o
estabelecimento de posições.
Eles acreditam que Deus
forma contrastes e desses
contrastes gera sínteses
determinantes da postura e
dos rumos a serem tomados
pelos indivíduos e pela
própria Igreja.
Não se contentam em absorver
e aplicar as singelas
escalas de valores
retratadas na Escritura.
Confundem costumes com
valores. Prescrevem aos seus
ouvinte e leitores a dúvida
e o questionamento sobre
tudo o que é antigo,
ignorando as advertências
bíblicas quanto à
preservação das verdades
imutáveis e pela
continuidade dos atos de
Deus na história. O cristão
não pode abraçar esse
relativismo moral. Os seus
valores e padrões estão
firmados no caráter imutável
do Deus soberano e
adequadamente revelados em
sua Palavra. Esta se
constitui em uma coletânea
de proposições objetivas
inter-relacionadas, sujeitas
ao exame e escrutínio, sob a
orientação do Espírito, dos
verdadeiramente fiéis. A
expectativa é que esses
valores, assim apreendidos,
passem a ser aplicados na
vida de pecadores redimidos
e a integrar a mensagem que
proclamam ao mundo. A nossa
fé cristã, quando
consistentemente
compreendida e aplicada, sob
a iluminação do Espírito
Santo, é a verdadeira
filosofia de vida abrangente
que compreende todas as
esferas de nossa existência.
XIII. Proposições Bíblicas
Anti-Construtivistas
Dentre as muitas proposições
das Escrituras que tratam da
questão do conhecimento e do
entendimento, sendo
relevantes ao nosso exame e
antagônicas às premissas do
construtivismo, destacamos
as seguintes:
1. O conhecimento não é
fruto de um agente
"facilitador," mas de um
agente "transmissor." Por
exemplo, no Salmo 39.4
lemos: "Dá-me a conhecer,
Senhor, o meu fim..." Se
redefinirmos "conhecer" para
significar "construir
compreensão," as expressões
que identificam conhecimento
com transmissão de saber (e
respectiva compreensão
subseqüente) ficam sem
sentido, como vemos em
Mateus 13.11: "... a vós
outros é dado conhecer os
mistérios..."
2. Conhecimento (apreensão
dos fatos) e entendimento
(correlação adequada dos
fatos) não são conceitos
subjetivos, mutáveis, mas
objetivos, representando
algo que se pede a Deus (1
Rs 3.11: "... mas pediste
entendimento para
discernires"; At 15.18:
"...diz o Senhor que faz
estas cousas conhecidas
desde séculos"). É tão
objetivo que é comparado a
um tesouro (Pv 10.14; Cl
2.3). Em 1 Jo 2.4 temos o
conhecimento considerado
como algo bastante objetivo
e que é objetivamente
retratado, contrastado com a
mentira e comprovado por
ações compatíveis com a
revelação objetiva de Deus -
seus mandamentos: "Aquele
que diz: Eu o conheço, e não
guarda os seus mandamentos,
é mentiroso e nele não está
a verdade."
3. Mesmo considerando a
finitude, imperfeição e
pecado das pessoas, o
conhecimento verdadeiro é
uma possibilidade bíblica
para o ser humano (Jo 8.32 -
"Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará"). As
limitações do homem se
apresentam na sua
impossibilidade de conhecer
exaustivamente, ou seja, de
esgotar o conhecimento. Isso
não significa que aquilo que
lhe é dado conhecer (e, na
esfera espiritual, o
conhecimento verdadeiro é
possibilitado pelo Espírito
Santo), ele não o conheça
verazmente. Esse é o
ensinamento de Paulo, quando
fala concretamente sobre o
conhecimento do amor de
Cristo em Ef 3.18-19.
Primeiro ele indica que as
suas instruções estão sendo
dadas para que tenhamos um
conhecimento comum "com
todos os santos" da dimensão
desse amor; em termos bem
concretos - largura,
comprimento, altura,
profundidade. Portanto, o
conhecimento que temos
condição de ter é verdadeiro
e concreto. Por outro lado,
em segundo lugar, ele nos
indica que esse mesmo "amor
de Cristo... excede todo o
entendimento," ou seja, não
temos condição de esgotar o
seu pleno conhecimento. Isso
não muda o fato de que o que
dele sabemos é verdadeiro.
Os ensinamentos de Paulo
sobre Cristo não são
subjetivamente construídos
em nossas mentes, mas são
ministrados. Os fatos e as
doutrinas nos são
transmitidas para que
conheçamos a altura, a
profundidade e a largura do
seu amor.
F. Solano Portela Neto
|