O dia finalmente chegou. Eu
insisti o quanto pude para
manter meu casamento. Assim
que Fábio, meu marido, saiu
para o trabalho, fiz uma
única mala para mim e meu
filho de 14 meses e
abandonei nosso lar. Este
era o único ano em nosso
casamento que vivíamos na
mesma cidade que meus pais.
Obviamente, a conveniência
de poder correr para os
braços de papai e mamãe
tornou a decisão de deixar
Fábio mais fácil.
Foi com um rosto enraivecido
e molhado de lágrimas que
entrei na cozinha de minha
mãe. Ela pegou o bebê
enquanto eu, entre soluços,
fazia minha declaração de
independência. Depois de
lavar o rosto e tomar um
copo de coca, mamãe me disse
que papai e ela me
ajudariam. Era reconfortante
saber que eles estariam ali
para me apoiar.
– Mas, antes que deixe Fábio
definitivamente – ela disse
–, tenho uma tarefa para
você.
Minha mãe colocou o bebê
adormecido na cama e,
pegando uma folha de papel e
uma caneta, traçou uma linha
vertical dividindo a folha
ao meio. Ela me explicou que
eu deveria escrever na
coluna da esquerda uma lista
de todas as coisas que Fábio
havia feito e que tornavam
impossível a convivência com
ele. Conforme observava a
linha divisória, imaginei
então, que ela me pediria
para relacionar as boas
qualidades de Fábio na
coluna da direita. “Vai ser
fácil”, pensei.
Imediatamente a caneta
começou a deslizar sobre o
papel, e rapidamente cheguei
ao final do lado esquerdo.
Para começar, Fábio nunca
juntava as roupas que ele
deixava pelo chão, sempre
deixava a toalha molhada na
cama. Nunca me avisava
quando ia sair. Dormia
durante os cultos. Tinha
hábitos deselegantes e
embaraçosos, como por
exemplo, assoar o nariz ou
arrotar à mesa. Nunca me
comprava bons presentes.
Recusava-se a combinar as
roupas, era rigoroso com
gastos e não me ajudava com
as tarefas domésticas.
Também não gostava de
conversar comigo. Deixou de
ser romântico. A lista
continuava até encher toda a
folha.
Certamente eu tinha
evidências mais do que
suficientes para provar que
nenhuma mulher seria capaz
de viver com este homem.
Declarei pretensiosamente,
logo que terminei:
– Agora sei que você vai me
pedir para escrever as boas
qualidades de Fábio do lado
direito.
– Não – ela respondeu. – Eu
já conheço as qualidades de
Fábio. Em vez disso,
gostaria que, para cada item
do lado esquerdo, escrevesse
qual foi a sua reação e o
que você fez.
Bem, isto já seria mais
difícil. Eu já havia pensado
nas poucas qualidades de
Fábio que poderia mencionar.
Porém, em nenhum momento
considerei pensar sobre mim
mesma. Eu tinha certeza que
mamãe não me permitiria
deixar a tarefa incompleta.
Então, comecei a escrever a
segunda coluna.
Em resposta às atitudes dele
eu fazia cara feia, chorava
e sentia raiva. Eu me
envergonhava de sua
companhia. Eu me comportava
como uma “mártir”. Desejava
ter me casado com outra
pessoa. Dava-lhe o
“tratamento silencioso”.
Acreditava que era boa
demais para ele. O meu lado
da lista parecia não ter
fim.
Quando cheguei ao final da
página, mamãe pegou o papel
da minha mão e foi até a
gaveta do armário. Ela pegou
uma tesoura e cortou-o ao
meio no sentido da linha
vertical que havia traçado.
Pegou a coluna da esquerda,
amassou-a e a jogou no lixo;
e voltando-se em minha
direção me entregou o lado
direito.
– Ana, leve esta lista de
volta para casa com você –,
ela me disse. – Passe o
restante do dia refletindo
sobre ela. Ore sobre isso.
Cuidarei do bebê até o
anoitecer. Se fizer o que
estou lhe pedindo, e depois
se você sinceramente ainda
quiser se separar de Fábio,
seu pai e eu estaremos aqui
para lhe ajudar.
Encarando os fatos
Deixando a bagagem e meu
filho na casa dos meus pais,
dirigi de volta para casa.
Assim que sentei no sofá com
aquele pedaço de papel na
mão, não pude acreditar no
que estava vendo. Mesmo sem
uma análise adequada dos
hábitos irritantes de meu
marido, a minha lista
parecia simplesmente
horrível.
O que eu podia ver era um
verdadeiro recorde de
comportamentos mesquinhos,
atitudes vergonhosas e
reações destrutivas. Gastei
as horas que se seguiram
pedindo a Deus que me
perdoasse. Pedi a Deus
força, orientação e
sabedoria para as mudanças
que agora eu sabia que
teriam que ocorrer em mim. à
medida que continuava
orando, percebi a maneira
ridícula com que estava me
comportando. Eu me lembrava
vagamente das transgressões
que tinha escrito para
Fábio. Era uma lista
completamente absurda. Não
havia nada de tão horrível
ou imoral nela. Na verdade,
eu havia sido abençoada com
um bom homem – não um homem
perfeito, mas um bom homem.
Meus pensamentos recuaram
até cinco anos atrás. Eu
havia feito um voto a Fábio.
Eu o amaria e o honraria na
saúde ou na doença. Estaria
com ele para o melhor e para
o pior. Eu havia dito essas
palavras na presença de
Deus, da minha família e dos
nossos amigos. E hoje, pela
manhã, estava pronta para
abandoná-lo por causa de
aborrecimentos triviais.
Neste momento peguei o carro
e voltei à casa de meus
pais. Eu estava maravilhada
de como me sentia tão
diferente de quando havia
chegado da primeira vez, de
manhã, para encontrar minha
mãe. Agora me encontrava em
paz; sentia-me agradecida e
aliviada.
Quando peguei meu filho de
volta, senti-me alarmada ao
pensar em como estava
prestes a fazer uma mudança
tão drástica em minha vida.
Meu egoísmo quase custara a
essa criança a oportunidade
de conviver todos os dias
com um pai maravilhoso.
Agradeci a minha mãe, e
rapidamente saí porta afora,
de volta para minha casa. No
horário em que Fábio
costumava chegar do
trabalho, eu já havia
desfeito a mala e esperava
por ele.
Um
novo olhar
Eu adoraria poder dizer que
Fábio mudou. Mas isso não
aconteceu. Ele ainda faz as
mesmas coisas que “me
aborrecem, me envergonham e
me deixam a ponto de
explodir”.
Na verdade, a mudança
aconteceu comigo. Daquele
dia em diante, me tornei
responsável não apenas por
minhas ações em nosso
casamento, mas também por
minhas reações.
Ainda me recordo de um item
da lista: Fábio dormia
durante os cultos. O momento
em que ele começava a
cochilar sempre marcava o
fim do meu período de
adoração.
Eu acreditava que ele, de
propósito, não tinha o menor
interesse na mensagem – e
meu pai era o pregador! Eu
não me importava com o fato
de Fábio não ser capaz de
permanecer acordado a
qualquer hora por longos
períodos. O tempo que ele
gastava cabeceando de tanto
sono eu gastava bufando de
raiva. Sentia-me
envergonhada no meio da
congregação. Era uma grande
humilhação. Tentava imaginar
por qual razão eu havia
casado com esse homem.
Certamente ele não merecia
uma esposa tão boa quanto
eu!
Somente agora podia enxergar
claramente como eu era. Meu
orgulho estava atrapalhando
uma parte muito importante
da minha vida: a minha
adoração. Agora, quando
Fábio cochilava na igreja,
eu gastava esse momento em
oração e agradecimento.
Desviava os meus olhos dele
dormindo e de mim mesma,
para concentrar o meu olhar
apenas em Deus. Em vez de
deixar a igreja furiosa,
passei a sair cheia de
alegria.
Não demorou muito até que
Fábio percebesse a
diferença. Ele comentou
durante um almoço de
domingo: “Você parece estar
gostando mais dos cultos
ultimamente. Eu já estava
começando a pensar que você
não gostava do pregador.”
Meu instinto imediato seria
contar-lhe como ele havia
arruinado tantos cultos que
assisti. Mas, ao contrário,
aceitei seu comentário sem
erguer minhas defesas.
Refazendo a lista
Tenho refeito essa lista
muitas vezes ao longo dos
anos. Continuo pedindo
perdão a Deus pelo meu
comportamento patético e
sabedoria para vivenciar o
meu casamento.
Quinze anos depois desta
experiência, Fábio, aos 49
anos, foi diagnosticado como
portador do Mal de
Alzheimer. Ele teve que
abrir mão de seu trabalho
como professor, e assumi o
sustento da família, o que
nos levou a dias de muitas
tentativas e noites de muita
preocupação. Observá-lo
lutando para manter suas
habilidades básicas diárias
tem sido uma grande
inspiração tanto para mim
quanto para nossos filhos.
Precisamos depender de nossa
fé para crer que Deus está
no controle – especialmente
quando sentimos não ter
controle algum da situação.
Temos procurado na Bíblia as
respostas para estas
questões difíceis de
entender. Gastamos nosso
tempo com emoções que vão
desde a raiva até a
tristeza. Perguntamo-nos,
“Por quê?”. Nesses momentos,
clamamos a Deus e pedimos
que nos dê a paz que excede
a todo entendimento.
Lamentavelmente, existem
dias em que minha paciência
está quase esgotada mesmo
sabendo que Fábio não pode
evitar certas coisas que me
irritam. Então, percebo a
minha responsabilidade em
reagir com o amor que Deus
tem me mostrado. Clamo a
Deus e peço que ele ame
Fábio através de mim –
porque sei que não sou capaz
de amar Fábio da maneira que
Deus o ama.
Agradeci a Deus muitas vezes
por ter uma mãe que foi
minha mentora espiritual.
Embora tenha certeza de que
se sentiu tentada a fazê-lo,
naquele dia mamãe não me
passou um sermão ou me deu
sua opinião sobre o meu
comportamento. O que ela fez
foi conduzir-me a descobrir
a verdade que salvou o meu
mais precioso bem: meu
casamento. Se não tivesse
aprendido a reagir como uma
esposa cristã aos pequenos
problemas de Fábio, eu
jamais seria capaz de reagir
de maneira adequada aos
grandes problemas que hoje
enfrentamos.
Ao chegar em casa outro dia,
meu filho me perguntou o
seguinte:
– Mãe, o que vamos fazer
quando papai não se lembrar
mais de nós?
– Bom, nós vamos nos lembrar
de quem ele é.
Lembraremo-nos do pai e do
marido que ele foi. Vamos
nos lembrar de tudo que ele
nos ensinou e da maneira
maravilhosa com que ele nos
amava. – Respondi.
Depois que meu filho saiu da
sala, fiquei pensando neste
homem que amou sua família e
o seu Deus. Sorri comigo
mesma: muitas das minhas
lembranças mais vívidas eram
daqueles pequenos hábitos
irritantes que me levaram a
fazer uma lista de defeitos
anos atrás.
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