Adoradores entre a fé comprometida e a
corrupção
Texto bíblico: Nm 21-36
Texto básico: Nm 21-36
Texto áureo: “Que o SENHOR, Deus dos espíritos de toda a carne,
ponha um homem sobre a congregação, o qual saia diante deles e entre
diante deles, e os faça entrar; para que a congregação do SENHOR não
seja como ovelhas que não têm pastor”. (Nm 27.16,17)
Pode ser que, a esta altura de nossos estudos, um certo sentimento de
irritação com o povo esteja tomando conta de nós. A insistente atitude
de rebeldia que Israel vem demonstrando desde as margens do Mar Vermelho
nos impele a considerá-lo indigno do amor imensurável que Deus lhe
devotou. Mas esta tem sido a história das relações do homem com Deus
desde a criação. Esta tem sido a história da minha relação com Deus.
Esta tem sido a sua história. A nossa história. De fato, Deus “suportou
com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a
fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de
misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos
nós...” (Rm 9.22-24).
QUANDO A VISÃO EMBAÇA
Parecia encerrada a fase de rebeldia e murmuração. O povo chegara a
Cades e acampara. Seria mais um tempo de adoração e repouso. Miriã, a
irmã de Moisés, morreu. O texto não diz que Deus a matou, como no caso
de outros rebeldes. A julgar pelos sete dias que ela ficou apartada da
congregação (12.15), é provável que tenha sido curada de sua lepra, pela
graça de Deus. Mas, morreu sem pisar a terra, como aconteceu a todos
quantos se rebelaram contra o Senhor.
Faltou água no arraial (20.2). O povo agora vai mais fundo na
iniqüidade: preferia haver morrido com os rebeldes, sob a maldição de
Deus (20.3; 11.1-35; 14.36,37; 16.47-49), a passar sede ali. Este
escritor ouviu, certa ocasião, a declaração: “Quando a fome entra pela
porta, a fé sai pela janela”. A frase soou jocosa, na ocasião. Mas
denunciava uma atitude presente na história do povo de Deus de todos os
tempos. A nossa atitude, talvez. Melhor seria dizer que quando a fome
bate à porta, encontra a fé e a esperança sentadas no banquete de
provisões do Pai celestial e descobre que naquela casa ela não tem
lugar.
A falta de fé embaçou a visão do povo. A incredulidade causa miopia¹,
que se caracteriza pela visão desfocada, dificuldade para focalizar
objetos à distância. Se bem que a miopia não seja considerada
contagiosa, no caso de Israel trouxe um dano coletivo. A incredulidade
se espalhou. Até mesmo o líder Moisés terminou contagiado. Moisés e Arão
se colocaram diante do Senhor com o rosto em terra (20.6). Deus lhes dá
as instruções sobre o procedimento a seguir: “... falai à rocha e dareis
a beber à congregação e aos seus animais” (20.8). Contagiado pelo “mal”
que se espalhara, Moisés vocifera contra o povo e golpeia a rocha
(20.10,11). O líder precisa cuidar-se da contaminação. A ele compete
conduzir o povo de Deus. Contaminado pela incredulidade, fere a rocha em
vez de apenas falar à rocha. Fala ao povo, quando Deus só mandou falar à
rocha. Contaminado, Moisés, perdeu a oportunidade de continuar à frente
do povo na conquista da terra prometida (20.12).
Quando Deus diz sim! Aos olhos humanos, pareceria o fim do projeto.
Moisés e Arão, porta-vozes de Deus, repreendidos e impedidos de entrar
na terra da promessa. Arão morre nas proximidades do Monte Hor por causa
da rebeldia em Meribá (20.24). O povo chorou a Arão. Podemos bem
imaginar o desconforto do povo. Depois do luto, a viagem se reiniciou.
Na marcha, depararam com tropas de Arade, que pretendia não se permitir
à passagem por seu território. Deus concede a Israel a vitória, em mais
uma mostra do que ainda lhes faria. Mesquita nos informa de escavações
feitas na região em que deixaram descobertas ruínas de cidades antigas
que teriam sido destruídas completamente por invasores.²
Outras vitórias se seguiriam a esta: contra Hesbom e contra Basã
(21.21-35). Menciona-se aqui um certo Livro das Guerras do Senhor, obra
entre as muitas não preservadas, da literatura dos hebreus (Js10.13; 2Sm
1.18). Entre os inimigos a enfrentar estava Balaque, de Moabe. Assustado
com o avanço dos hebreus sobre os seus vizinhos, o rei de Moabe manda
buscar um profeta, Balaão, para que amaldiçoasse os hebreus invasores
(22.1-4). Balaão era um falso profeta, que vendia seus serviços, à
semelhança de alguns que Israel veio a conhecer mais tarde (2Cr 18.9-13;
Mq 2.11; 3.5; Mt 7.15). Entretanto, Balaão mandou dizer a Balaque que
Deus lhe havia impedido de amaldiçoar Israel (22.12,13,18). Com a
insistência de Balaque, Deus instrui Balaão sobre o que deveria falar ao
rei (22.20). Em vez de palavras de mau agouro para Israel, Balaão os
abençoou (23.11; 24.10-14).
A história parece intricada, ao apresentar um profeta pagão,
circunstancialmente posto a serviço da nobre causa do Senhor. Precisamos
entender que os moabitas eram aparentados com os hebreus (Gn 19.30-38),
tendo, desta forma, algum vestígio do temor ao Deus de Abraão, de Isaque
e de Jacó. Sua religiosidade se havia deteriorado, de modo a crerem que
com encantamentos poderiam determinar a vontade de Deus. O Senhor usou
da ocasião para dar uma lição aos moabitas e a seu profeta Balaão.
Quando Deus diz sim, não há forças ou circunstâncias que possam tornar
esse sim em não. Aleluia!
ADORADORES CORROMPIDOS
A parte final do nosso texto nos relata um segundo recenseamento do povo
(2.1-65), algumas leis complementares (27.1-11; 28.1-30.16) e as
variadas situações do assentamento na terra, antes da travessia do
Jordão (31.1-32.42). Consta ainda do bloco um resumo da viagem
(33.1-49), a ordem para exterminar os cananeus (33.50-56) evitando assim
a contaminação dos hebreus com a cultura daquele povo, e a fixação das
fronteiras da terra a ser ocupada (34.1-29). O povo ficou acampado junto
ao Jordão (33.49) esperando o momento apropriado para atravessá-lo e
concluir a conquista. A morte de Moisés e sua sucessão também fazem
parte deste bloco de narrativas (27.12-23).
No capítulo 31, uma frase chama a atenção: “Eis que, por conselho de
Balaão, fizeram prevaricar os filhos de Israel contra o Senhor...”
(31.16). Balaão atuou como um “agente duplo”, digno dos mais modernos
casos de espionagem. Embora o texto não o declare, havia um consenso em
Israel de que Balaão, não podendo amaldiçoar a Israel com encantamentos,
instruiu a Balaque que seduzisse os hebreus com mulheres (Mq 6.5; 2Pe
2.15; Jd 11; Ap 2.14). As mulheres teriam convidado os homens a
participar dos rituais moabitas a Baal, e Israel se contaminou e
“inclinou-se aos deuses delas” (25.2). Por causa desse “deslize”, 24 mil
líderes foram mortos (25.4,9). A falta de pudor e domínio próprio dos
israelitas fez o que Balaque não havia conseguido fazer com os
encantamentos.
APLICAÇÃO PARA A VIDA
1. Ao líder compete definir a visão e as metas a perseguir. Mas
precisamos reconhecer que a falta de visão, a miopia dos liderados pode
afetar perigosamente a visão do líder. O sentido de corpo e de unidade
de igreja do primeiro século contribuiu de forma decisiva para o êxito
que ela alcançou (At. 2.42-47; 4.32). É dessa unidade que Paulo fala
mais tarde às novas congregações da Ásia (1Co 12.12-14,40; Ef 2.11-22;
4.1-6; Fp
2.11; 4.2,3; Cl 3). O líder que declara ter uma visão de Deus para seu
grupo, mas na hora em que surgem as dificuldades e os inimigos atacam,
começa a queixar-se e a pensar que Deus não está aprovando seu projeto,
esse desonra a Deus. Cuidemo-nos para que, seja na liderança da
família, da igreja, ou em qualquer outro lugar, não sejamos contaminados
com a miopia de outros, mas mantenhamos nossos olhos naquele que “é o
autor e consumador de nossa fé” (Hb 12.2).
2. Sobre a degeneração da religião de Moabe, lembremo-nos de que
seu antepassado Ló optou por viver separado da benção quando se permitiu
apartar da comunhão com Abraão (Gn 13.1-13). Estava dado o primeiro
passo para que seus descendentes, séculos mais tarde, manifestassem tal
atitude para com Deus. Tenhamos o cuidado de não nos apartarmos da
comunhão com Deus em busca de “pastos mais verdes” e “terras menos
pedregosas”, para que os resultados não sejam desastrosos.
3. O pecado, não importa qual seja, corrompe o adorador e sua
adoração. Por isso deve ser tratado com rigor.