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Criança

A natureza do pecado infantil e suas explicações

 

 

Esses dias me deparei com uma reflexão já antiga, mas que nunca fora fundamental para mim, pois tenho o meu posicionamento a respeito. Trata-se do pecado infantil e sua natureza.

A respeito deste tema a dúvida existe para questionar se uma criança pode ou não ser ré de um pecado mortal e ser condenada ao inferno e, conseqüentemente, tentar saber se uma criança precisa de ministração de salvação enquanto criança e, até, do batismo para remissão de pecados.

Deste ponto saem dois ramos: aqueles que defendem que a criança tenha uma natureza pecaminosa, mas não pecados cometidos e portanto seja sempre salva caso morra e esteja impossibilitada de cometer pecados mortais. Do outro lado existem aqueles que defendem que uma criança é um descendente de Adão como qualquer outro e, portanto, um pecador que precise da ministração de salvação para que não seja condenada ao inferno se morrer ainda criança.

É possível imaginar os imbrólios que estes dois posicionamentos causam, não?

Aqueles que defendem que a criança tenha apenas a natureza pecaminosa mas não tenha pecados cometidos, sendo naturalmente inocente, se esquecem de ponderar a questão se uma pessoa é pecadora pelas atitudes que ela faz ou não faz ou se é pecadora pelo que ela é. Traduzindo mais simplificadamente a questão é se uma criança nasce sem pecados e só se torna pecadora quando comete voluntariamente um pecado ou se ela nasce pecadora e é assim vista sempre, até o arrependimento eficaz.

Um dos colegas de minha igreja disse que um pastor tinha lhe dito que a explicação da maldade das crianças estaria numa má índole sua de que não houvesse arrependimento posterior, confirmando-a como uma pecadora. Mas nisso há um conflito entre o livre-arbítrio e a predestinação, pois se pensarmos que todos somos livres para aceitar ou rejeitar Cristo, indagamos o que faria com que determinadas pessoas nascessem com má índole e outras não. Ou então todos nasceriam com má índole e deveriam renunciá-la posteriormente? Se não for assim, o que determina que uma criança nasça com má ou boa índole? O acaso não existe, então como só Deus tem o poder criativo, seria Ele que escolheria quem terá tais índoles? Não podemos dizer, se entendemos bem a Bíblia, que o diabo tenha o poder de dar a má índole à alguém, pois isso lhe daria o poder criador da personalidade da pessoa e isso ele não tem. O máximo que o diabo pode fazer é tentar a pessoa com o mal assim que ela atinge uma idade que lhe dê compreensão. Se for esta a opção, então a criança não nasce pura, mas sim pecadora, o que mostra que este posicionamento se contradiz nas suas fontes.

Agora olhemos pelo outro lado: se nem todos nascem com má índole e se sabemos que nenhum pardal cai do céu se não for a vontade (e não simples previsão onisciente) de Deus (Mt 10.29), então seria Ele quem escolheria esta ou aquela criança para ter má índole? E se prosseguirmos no debate isso não faria de Deus o co-autor dos pecados destas crianças ao permitir que elas nascessem com má índole ao passo que proteja outras? E se for isso, se Deus é quem escolhe quem terá má índole, como essa criança poderia ser condenada por ser simplesmente aquilo que Deus escolheu que ela fosse?

Lemos no AT diversas passagens em que Deus usa países estrangeiros para dominar e atacar Israel e depois aniquila esta nação opressora pelo pecado de ter invadido Israel. Ora, mas a nação não atacou por ordem de Deus? Então como ser culpada por fazer aquilo a que estava destinada a fazer diretamente por Deus? Percebem como a questão é a mesma, apenas ampliando o foco?

Alguns, para tentar se desvencilhar deste laço, afirmam que Deus não cria o mal ou o pecado das pessoas, mas unicamente seria o certo Deus permitir o mal e depois puní-lo. A isso chamam de vontade permissiva de Deus, pela qual Ele aceitaria contradizer a Sua vontade prescritiva em face do livre-arbítrio do homem, para não violar a consciência humana. Ou seja, Deus toleraria uma decisão humana má, ainda que Ele seja impecável. Ora, mas indagamos então se o fato de existir uma permissão não seria igual a uma criação ou uma determinação de agir. Depois da queda de Adão não seria, mas e antes? Como entender que o livre-arbítrio de Lúcifer o levou para o mal, se antes dele o mal não era atuante no Universo e nem existia? O que levou Lúcifer a se tornar o diabo se a entrada do mal no Universo é datada como após a sua rebelião contra Deus e a entrada do mal no mundo após a Queda do homem? Se Deus permitiu que um anjo bom se tornasse um anjo mau, então deduzimos que o mal foi criado antes de Lúcifer para que pudesse tentá-lo e novamente voltamos ao fato de que só Deus pode criar algo do nada, logo seria Ele então o Criador do mal, tendo-o deixado em latência até que permitisse que Lúcifer fosse contaminado? Ademais, como explicar o fato de que a permissão de Deus ao pecado não O torna o autor mediato deste pecado, ainda que apenas não intervindo nas atitudes humanas? Aliás, o que determinaria estas atitudes humanas primeiramente?

Ademais no Livro de Gênesis é dito que Deus olhou tudo quanto tinha feito e que era muito bom (Gn 1.31), mas eis uma dúvida: se tudo era muito bom, como poderia existir uma árvore no Éden que deu ao primeiro casal o conhecimento do bem e do mal (Gn 2.9)? Ora, inexiste relato da criação do mal em todo o primeiro capítulo de Gênesis, logo qual a razão desta árvore dar conhecimento de algo não relatado? Alguns usam o relato da repreensão de Deus ao príncipe de Tiro como sendo um tipo da rebelião de Satanás (Ez 28.1-19), afirmando que o mal se iniciou quando ele se orgulhou de si mesmo (vv 15-18), mas isso não responde a questão de qual a origem da iniqüidade de Lúcifer: qual a origem do originador do mal? Para Lúcifer escolher o mal, o mal deveria ser preexistente a Lúcifer para que pudesse rivalizar com o bem de Deus e se tornar uma opção para o Querubim caído? Voltaremos a essa dúvida no final.

Será então que a criança nasça boa e inocente e se perverta depois? Se for assim a doutrina católica da imaculada concepção de Maria não estaria de todo errada, pois Maria teria nascido sem pecado, como qualquer criança, e depois teria sido preservada do pecado por Deus para que fizesse nascer o Seu filho. Basicamente é isso que a Igreja Católica prega, e algumas igrejas evangélicas também dizem que crianças não têm pecados, exceto a natureza pecaminosa, mas que esta não seria suficiente para condená-las ao inferno se morressem. Mas o que é condenável: aquilo que uma pessoa faz ou aquilo que uma pessoa é? Dará trabalho voltar a falar da inocência das crianças aos fiéis, não?

Para tentar sanar esta dúvida a Igreja Católica, baseada em Tomás de Aquino, que se baseou em Aristóteles, para ser fiel à sua doutrina, criou a tese do LIMBO como morada de destino provisório da criança pecadora, pois defendia que ela tinha uma natureza pecaminosa que a contamina por inteiro e que somente Cristo pode lhe salvar, portanto se morresse sem a redenção de Cristo não seria lógico que fosse para o Céu, local dos redimidos, pois ela não nasce santa e não confessou seus pecados conscientes e inconscientes. Por isso somente Maria teria recebido o especial favor de Deus para nascer sem pecado (uma imaculada gestação e concepção). Atualmente o Papa Bento XVI está revendo a doutrina do Limbo, mas ainda não chegou a um ponto final na questão.

As igrejas evangélicas assumiram os dois posicionamentos quanto a esta questão, mas não fizeram argumentações filosóficas para resolver a questão. Obviamente que cada uma dizia que a sua opção era a única biblicamente aprovada. Mas isso não resolve nada, simplesmente porque a Bíblia não nos responde a esta questão da natureza da criança. Diversas vezes ela nos dá a certeza de que quem quer que seja que morra sem Cristo está condenado, sem excluir as crianças. E diversas vezes ela nos diz que devemos ser como crianças se quisermos entrar no Reino dos Céus. Não podemos simplesmente optar por um posicionamento e fingir que o outro não existe ou que a nossa escolha é a única a ter respaldo bíblico e teológico. Na verdade até podemos e temos de escolher um posicionamento, mas tomando o cuidado de não querer parecer o dono da verdade.

A Filosofia tenta resolver o problema da maldade questionando qual a sua origem: derivação ou originária.

Se a maldade é derivada
, seria derivada do contato com os outros, pois todos nasceriam bons e depois se perverteriam, mas isso também não satisfaz plenamente a dúvida, pois se todos nascem bons e crescem bons, o que faria com que o primeiro se tornasse mau para corromper os demais com o seu contato? Se ele nunca ouvisse falar do mau ou da maldade, como se tornaria um praticante da maldade? E o que levaria esta pessoa a ser tão persuasiva que o simples contato fizesse com que os demais o imitassem? Vê-se que a questão não é resolvida de forma alguma. Essa tese da maldade derivada do contato é defendida, entre outros, por Jean-Jacques Rousseau, mas ele também não responde às dúvidas postas.

Se a maldade é originária, então sua origem está além das forças do homem, daí ele não seria culpado por ser algo que ele não pudesse deixar de ser. Ele não se tornaria mau, ele já nasceria mau, devido à maldição lançada por Deus, que não se limitou apenas à Adão, mas se espraiou por toda a sua descendência. Mas se somos todos naturalmente maus e dotados de livre-arbítrio, este arbítrio teria de ser igualmente mau e sempre nos dirigir para a maldade, então o que o faria optar pela bondade de Cristo? Não se pode dizer que nascemos totalmente maus, mas com uma pontinha de bem. Se dissermos que Cristo muda a nossa mente e coração para que O aceitemos por meio da graça, indagamos por que Ele não muda o entendimento de todos então, uma vez que quer a salvação de todos? Se responderem que Deus não muda todos por respeitar o livre-arbítrio, então como responder que Ele dê a Sua graça para que alguns O aceitem e mudem o seu mau coração e isso não aconteça com outros, se é o próprio Deus que nos agracia? A mudança externa em si, por meio da graça, não desconsidera o livre-arbítrio ao retirar a totalidade do mal da mente do homem e embutir o discernimento do Espírito? E mais: se Cristo muda o nosso entendimento, então não temos livre-arbítrio pleno, pois Ele teria nos transformado antes, para que o nosso arbítrio tivesse discernimento do bem e pudesse aceitá-Lo, fato que sem a graça jamais ocorreria, pois um abismo chama outro abismo (Sl 42.7), o mau absoluto chama o mau absoluto sempre. Mas aí voltamos: por que essa transformação prévia não é feita por e para todos os homens? Este posicionamento é aceito, entre outros, por David Hume, que também não tem as respostas às dúvidas postas.

Note-se que o fato da redenção em Cristo nem poder ser cogitada quando se pensa em crianças, pois estamos falando de crianças que raramente entenderiam a necessidade de salvação por Cristo ou seriam capazes de aplicar satisfatoriamente as benesses representadas pela Eucaristia a si mesmas, e muitas nas igrejas evangélicas nem tomam a Ceia nem são batizadas. Daí não adianta falar que uma pessoa nasça má e depois aceite Cristo, pois não estamos falando de pessoas com idade para entender isso.

E voltamos à questão se uma pessoa é pecadora por atos cometidos ou omitidos ou pelo que ela é. Lembremos que existem pecados que sequer precisam ser atuados para serem condenáveis, pois a natureza pecaminosa da cobiça e do desejo de adultério em si mesmos se constituem em pecados suficientemente fortes para condenarem uma pessoa sem que ela precise fazer nada em termos visíveis. Só o fato de ter estes desejos já é condenável em si, mesmo que a pessoa jamais atue conforme a sua cobiça ou o seu desejo lascivo, bastando senti-los para ser pecadora.

Então a pessoa não é considerada pecadora apenas quando ela comete um pecado? Ela é pecadora por ser pecadora, ao nascer, não ao adquirir consciência do pecado? Veja que a resposta a esta questão nos forçaria a optar sobre a criança ser inocente ou condenada ao nascer... nem ficarei repetindo se a criança é "pecadora", pois isso faz pensar numa criança agindo em pecado, mas faz esquecer o fato da natureza pecaminosa ser a mesmíssima coisa, ou até pior, do que cometer um pecado. Isso porque quem não tem a natureza redimida por Cristo comete pecados e não se arrepende, pois é da sua natureza, mas quem tem a natureza redimida por Cristo, quando comete pecados se arrepende imediatamente, pois sua natureza agora é cristã, não mundana.

Pode-se perceber que existem questões da Bíblia que jamais serão resolvidas com o raciocínio humano justamente porque Deus as quis omitir propositadamente para que vivamos por fé e não por vista (2Co 5.7). A inteligência de Deus é tão superior à do homem que somos capazes de nos deter séculos no debate destas questões, mesmo sabendo que Deus não as quis revelar plenamente a nós. Se conseguíssemos entender Deus sem qualquer sombra de dúvida, então seríamos intelectualmente maiores que Ele, o que não é verdade.

A Bíblia não diz qual é o final das crianças que morrem antes de confessar a Cristo como Senhor, nem qual a origem da primeira maldade, aquela que se instalou em Lúcifer e fez dele o diabo. Se dissermos que foi o seu livre-arbítrio, questionamos quem deu permissão para o mal existir para que pudesse ser escolhido em lugar do bem pelo diabo. Nunca saberemos tais coisas até estarmos cara a cara com Deus na Sua segunda vinda e no Reino Glorioso. Assim como isso, também não sabemos o motivo da Bíblia enfatizar em tantas partes a predestinação total de Deus ao mesmo tempo que enfatiza o livre-arbítrio humano pleno, sendo que à mente humana estas doutrinas são absurdamente contraditórias em si.

Um dos princípios de hermenêutica bíblica dizem que quando uma doutrina é ensinada diversas vezes na Bíblia e elas sejam aparentemente contraditórias à mente humana, simplesmente devemos aceitar ambas sem tentar explicar a sua compatibilização, pois isso seria tarefa para Deus caso Ele no-la quisesse revelar. Aquilo que Deus tem como padrão ou lógica nunca será compreendido pelas criaturas se Ele não o permitir, mas não é a nossa falta de compreensão que deve motivar a nossa incredulidade, mas muito ao contrário a nossa falta de razão é que deve fundamentar a nossa fé, pois somente a fé nos dá certeza de que Deus tem um propósito para os Seus filhos, independentemente deles saberem ou compreenderem o que seja.

Cientes disso muitos pastores e professores religiosos deveriam parar de querer responder a tudo que se lhes perguntam e assumir que existem coisas que jamais serão respondidas e que tais coisas servem para nos mostrar a grandeza imensa da sabedoria e poder de nosso Deus. Não saber responder a uma questão que a Bíblia não responde é o mais natural possível, pois estranho seria se nos fosse apresentada uma resposta à uma questão polêmica que não estivesse plenamente esclarecida na Bíblia, mas que fosse propagandeada como a única certa.

Dt 29.29 As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que observemos todas as palavras desta lei.

(adaptado)

 

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